quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Nuvem...

Boas.

Meus amigos, uma coisa nessa vida náutica eu já aprendi: se está ventando e então a coisa pára a ponto de o mar ficar um espelho, prepare-se: a coisa ficará feia!

No dia 19/10, um domingo, sai com o Grandpa para dar aulas para o Hector e para o Marcio. O horário de verão recém estava por essas bandas (muito bem vindo) e acabamos saindo mais tarde, pois o vento por essas bandas só começa a soprar lá pelo meio dia. 

Pois dessa vez deu meio dia, deu uma, deu duas da tarde e nada. Pela manhã estava ventando, mas na hora de aparecer com vontade o danado do vento nada de dar as caras. Como de praxe, se até às 14h00 nenhuma atividade tiver sido feita a contento eu suspendo a aula e marcamos outro dia. Foi o que fizemos.

Subimos o barco, o Hector e o Marcio foram embora e eu fiquei fazendo hora no clube. Às 16h00 tomei o caminho da roça. Foi ai que vi a nuvem tsunami (um belo CB) vindo, do mar para terra, a mil. Chamei no VHF de mão o Meltemi e o Grazina, que eu sabia estarem na água para avisar, mas sem sucesso. Em poucos minutos a nuvem entrou, trazendo ventos de mais de trinta nós mantidos. Tivessemos insistido em esperar o vento e ele teria vindo: e forte! Dias depois vi as fotos do Alan, do Meltemi, e hoje as posto aqui. Em terra achei a coisa bem boinita. Durou apenas uns quinze minutos.

E vamos no pano rizado mesmo!




segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Refeno 2014 no Vento Real

Boas!

Alguns momentos da nossa participação na Refeno 2014 como grumete do Vento Real!


Sim, vou fazer a Refeno de novo e em breve . Mas sem as meninas, nunca mais. Foi horrível ficar sem elas em Noronha... tentei trocar o voo mais de uma vez. Sem elas, não dá...

E vamos no pano mesmo!

Final de semana na Ribeira...

Boas!

O Malagô andou um pouco abandonado. E minha ausência se fez sentir. O sol acaba com o tal do verniz e a maresia acaba com todo o resto. É algo bem complicado de administrar. Por isso nesse último final de semana fui sozinho para a Ribeira, dar uma ajeitada nas coisas. Depois de filar uma bóia na deliciosa companhia dos Stark, lá no Itaguá, na noite de sexta, acordei de madrugada no sábado e fui para a labuta: verniz aqui, uma demão de tinta cá, uma goteria desfeita acolá... 


Entre o final desse ano e ao longo de 2015 farei uma ampla reforma no interior do Velho Mala. Tem coisas que eu não gosto e é hora de mudar. Uma delas é o fato de eu não ter praticamente armários. Outra é que não tenho mesa de navegação. Já tenho um projeto em mente e comecei a executá-lo. 



Uma das alterações que têm sido promovidas é a troca do estaimento. No sábado tirei o enrolador Alado e confirmei minhas suspietas: o cabo do estai de proa estava bem danificado. Era apenas uma questão de tempo ele  ceder, com consequências catastróficas. Também retirei o botijão de gás para substituição. Ele já estava lá desde fevereiro de 2013 e isso é dar muita sopa para o azar.



Fiz no mesmo dia, com o Telesmar, um novo estai de proa, com cabo de 8 mm e terminal e esticador Nautos. O estai de popa já foi trocado (usei o esticador da IEN). Os próximos agora são os brandais superiores, que farei semana que vem e depois os estais de força e os do diamente. Haja saldo! Cada cabo sai na casa dos R$ 1.600,00. Dói...



Por enquanto ficarei sem enrolador. A genoa já está com seus garrunchos e com isso, aos poucos, o Malagô vai voltando à sua montagem original (e trabalhosa). No fim da tarde, como ninguém é de ferro, dei uma motorada pela Ribeira para carregar as baterias e por o motor para funcionar. Soltei a cana de leme e fiquei na proa, euqanto ele mantinha o mesmo rumo (156º V) por mais de uma milha, sozinho (o vento era zero). Ah, como eu amo esse barco!!!


Dia 15/11 devo trazê-lo para o Guarujá. Ele subirá no Pier 26 para algumas manutenções e pintura de fundo. O plano é passar as festas de final de ano na Ilha Grande, antes de irmos para o Cascalho. Mas eu sei que planos e veleiros nem sempre combinam com as nossas agendas...

E vamos no pano mesmo!



Nova aba - classificados!

Boas!

Volta e meia meus alunos perguntam se há algum veleiros interessante para comprar. E volta e meia alguns me pedem para divulgar seus barcos à venda. Eu particularmente sempre tive receio de indicar a compra deste ou daquele barco, porque a verdade é que com honrosas exeções há muita porcaria por ai - e a preços altos. 

Foi por essas e outras que criei uma nova aba aqui no blog: classificados, ali no canto superior direito da tela! Nela serão anunciados veleiros e itens de interesse de velejadores. O diferencial é que apenas barcos conhecidos e testados por mim serão anunciados (e desde que eu acredite que o preço não está abusivo). 

E vamos no pano mesmo!

segunda-feira, 13 de outubro de 2014

Como está a sua adriça?

Boas!

Dizem que uma é pouco, duas é bom mas três, são demais. Nem sempre é assim, ou quase. 

Na sexta ajudei o Tiago a colocar o Zappa (Atoll 23) na água, no CIR. Faltava algum ajuste de estaiamento e a ideia era dar uma velejada para a regulagem. Na hora de subir a genoa o Tiago me avisou que era melhor trocar o cabo, pois o antigo esava puído e ele já tinha comprado um novo na Velamar... Eu, claro, fui no "vai que dá". Pois é, não deu. A adriça da genoa estourou e a pequena montagem logo avançou pela tarde inteira e impossibilitou qualquer velejada no final de semana...

No sábado fomos para a Ribeira. Era dia de Malagô, mas o Cassio e a Chris do Serelepe estavam por lá e acabamos indo todos velejar de Fast 345. Levei o Malagô até a poita do Serelepe, embarquei as meninas e deixamos o "Mala" amarradinho por ali. Na hora de subir a mestra foi uma confusão. A vela estava toda torcida, sem as talas e o macarrão não queria entrar no trilho de jeito nenhum... acabamos por sair só de genoa. O dia estava esplendoroso, com sol e ventos acima de dez nós. Fomos até o presídio totalmente na vela (apenas a genoa), passando pelo boqueirão, orçando a cinco nós. Uau, que barquinho! Na volta  fui levar sozinho o Malagô até a poita que é dele e voltei para o Serelepe de SUP. Ao chegar qual não foi minha surpresa ao ver o Cassio com a adriça da genoa nas mãos: estourou também.

No dia seguinte, domingo, fui começar a desmontar o enrolador do Mala - voltaremos aos garrunchos por uns tempos. Vai aqui, vai ali e... a adriça da genoa despenca no convés. Três barcos diferentes; três genoas sem adriças! Isso em apenas três dias! Uau!

Isso serve para lembrar a gente a, de tempos em tempos, encurtar (cortando mesmo) a  ponta das adriças que fica exposta ao sol quando o barco está recolhido (99% do tempo). Ou então fazer como faz o Marcelo, do Aphrodite (Delta 32): guardar todos os cabos dentro do mastro, usando emendas de sacrifício que são retiradas quando montado para velejar. Dá um pouco de trabalho, mas adriças caras como as do Malagô (que são de spectra) doem no bolso para serem repostas. Isso sem falar a necessária "viagem ao topo do mastro" e no risco de estourarem justamente quando não poderiam.

Outra coisa importante é ter sempre um amantilho com um cabo que possa fazer as vezes de adriça da mestra (eu vejo muito cabinho vagabundo nos amantilhos por ai) e a ter instalada a adriça do balão, mesmo quando não se usa essa vela. Em um sufoco dá para usar essa adriça para envergar a genoa.

E vamos no pano mesmo! 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Relato da Refeno 2014 no Vento Real - Final.


Like a roling stone...



Houve um momento muito interessante nesse terceiro e último dia a bordo: quando nos demos conta de que Natal estava mais distante do que Noronha. A capital do Rio Grande do Norte distava cento e vinte milhas de onde estávamos, ao passo que Noronha "apenas" noventa. Foi meio estranho imaginar que estava tão longe de terra, algo equivalente a distância entre Guarujá e Paraty. Além disso a profundidade onde navegávamos era de míseros quatro mil metros! Esses números nos fazem pensar em terra. Mas lá, no mar, a coisa soa tão natural que até chegam a não dizer nada.

O "Triunfão" estava silencioso. Chamou logo cedo, mas a propagação estava ruim e não copiou nossa resposta. Antes do almoço golfinhos roteadores fizeram um show na nossa popa. As aves marinhas passavam para lá e para cá. Na madrugada uma delas tentou pousar em nosso bimini. Para ajudá-la eu coloquei a lanterna em sua direção, mas acho que não deu muito certo pois ela se estatelou no mar...

Ao meio dia vimos algo inesperado: velas ao vento, a nossa popa! Veleiro a vista!!!

O vento baixou. Dos 25 nós da  madrugada "despencou" para 15, depois 10, depois 8... Ora, isso não se faz!!! Interessante como nossos parâmetros mudam. Em Ubatuba o ventão da madrugada seria convidado a se retirar. Aqui era desejado com ardor. Tiramos o rizo da vela mestra.

As velas do outro veleiro mantiveram-se a nossa ré, à boreste. Sempre na mesma marcação, o que indicava que a velocidade era a mesma. Almoçamos e fomos vistados por baleias piloto. Pena que a câmera nunca está a mão nessas horas.

Curiosos por saber quem estava a nossa ré - no visual e fora dele - bolamos estratégias. O Capitão Sergio pensou em fingir ser outro barco, o USS Pernambuco, da Marinha dos EUA. Acho que não enganaríamos o valente "Rebocador de Alto Mar Trinfo" por muito tempo.

No fim da tarde, então, algo miraculoso aconteceu: as velas que nos seguiam no horizonte começaram a ganhar uma velocidade sobrenatural. A medida que o vento caia, mais elas andavam. Desceram no vento e terminaram  bem a nossa frente, no rumo direto da Sapata. Mais do que isso: começaram a abrir distância! Quanto menos vento havia, mais eles andavam. Mistérios... mistérios... mistérios...

Não vimos Noronha chegar durante o dia. A 25 milhas - quando em geral se começa a ver terra - não se via nada, nem as nuvens que ficam por cima das ilhas oceânicas.

Anoiteceu. O vento subiu para quinze nós e o veleiro superandador a nossa frente começou a andar menos. Manteve-se a  uma milha de nossa proa. Eu estava no leme e me guiava usando sua luz de mastro. Eram 20h30 quando um clarão se fez ver no horizonte. Terra a vista. Foi um momento sereno, quase natural - muito diferente do que eu pensei que fosse. E eu não estava ouvindo Like a roling stone...

Pouco depois mudamos para o canal 77 e ouvimos o valeiro misterioso anunciar seu nome: "CR, CR, aqui Jamaica III, Montamos a Ponta da Sapata". Hum, era ele, o Jamaica III! 

Quando montamos a Sapata entreguei o leme ao Capitão Sergio. A honra de chegar em Noronha deveria ser dele. Afinal foi ele que em solitário saiu da Boreal em uma manhã chuvosa de sábado e levou o barco sozinho até Recife. Foi ele quem gastou nove anos de sua vida fazendo aquele barco.  E fez tudo isso como se fosse a coisa mais normal do mundo. O Sergio é um homem verdadeiramente do mar e merece minha mais profunda admiração.

Eu imaginava Noronha como uma ilha monstruosa, saindo do mar e indo raivosa em direção ao céu, ganhando as alturas. Mas não. Ao chegar ali o que encontrei foi uma "pedrinha" tão bela, quanto frágil. Ilha que é quase ilhota. Delicada. Pequenina. Baixinha. Uma sillhueta de Niemayer no meio da escuridão do deserto do oceano. 

Pelo rádio acompanhamos a chegada do Jamaica III e soubemos que um veleiro que estava atrás de nós desistiu e ligou o motor. O Tartaruga seria do jamaica III e foi melhor ter sido assim, para alegria do nosso Capitão que relutava em aceitar a honraria.

Menos de meia hora depois de montarmos a Ponta da Sapata ouvimos no canal 77:

- Veleiro que se aproxima da CR, identifique-se.
- CR, aqui Vento Real - respondeu o Alan.
- Vento Real, você consegue ver a linha de chegada?
- Afirmativo.
- Vento Real, ilumine suas velas.

Houve um breve silêncio e então as palavras que eu nunca irei esquecer:

- Vento Real, bem vindo a Fernando de Noronha.


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segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Relato da Refeno 2014 no Vento Real - Parte três


As águas azuis


Acordei antes das 07h00. O enjoo ainda me atormentava. Ao sair da cabine vi o Grajaú ao longe, em nossa popa. Olhei para o Sergio e pensamos a mesma coisa: ele está escoltando o fim da fila. Assumi o posto do Sergio, que desceu e foi ao radio:

- Grajaú, copia Vento Real?
- Afirmativo, prossiga.
- Grajaú, vocês podem nos informar se há algum veleiro cinco milhas a nossa frente? 

O Capitão perguntava isso porque havia dúvida na interpretação de uma imagem radar, se era uma nuvem ou um navio. O operador do rádio do navio pediu que esperássemos e, após alguns instantes, respondeu:

- Vento Real, a cinco milhas não há nenhum... mas há dois veleiros num raio de oito milhas a sua frente.

Comentei com o Sergio que não estávamos tão atrás. Foi então que veio uma informação que era absolutamente inesperada:

- Apenas para informação - continuou o operador de rádio do Grajaú - vocês não são os últimos. Há mais dois veleiros atrás de vocês.

UAU!

Ao passar a bóia de Recife nós estávamos tão em último, mas tão em último, que era simplesmente inimaginável temos ultrapassado um outro veleiro. Dois, então?! A estratégia de manter o VMG = VM estava dando certo. A noite haviam barcos arribando ou orçando e com isso eles se afastavam de nós. Nossa navegação estava excelente... pena não temros largado na bico de proa ou, melhor ainda, na RGS!

Com o ânimo revigorado, continuamos no nosso caminho. Média de 5,4 nós. Lá pela hora do almoço meu enjoo passou. Enjoar não me é comum. Acontece mais quando eu não durmo direito, como vinha sendo o caso. Ao nosso redor não víamos mais nenhum barco, mas graças ao Grajaú sabíamos que não éramos os útlimos. João Pessoa ficava para trás. 

Chamei o Bepaluhê no rádio, que me passou sua posição. Para meu espanto estava a apenas oito milhas de nós. A nossa frente, confirmados, havia ele e o JR01. A popa era a incognita, mas apostávamos nossas fichas que um daqueles barcos era o Jamaica III.

Pela primeira vez eu vi a tal água azul. Longe dos nutrientes do continente, a água do oceano fica mais pobre em partículas em suspensão. Perde o tom esverdeado e ganha uma cor azul de encher os olhos, difícil de comparar com qualquer outra coisa. A crista das ondas que arrebentam por causa do vento ficam da cor da pedra água marinha (talvez por isso o nome). Nem preciso dizer como isso é bonito.

No meio da tarde os golfinhos vieram nos fazer a primeira visita, sendo um deles filhote. Esses carinhas sempre nos deixam felizes. 

O Capitão fez café. Mas com aquele joga joga do mar, o bule caiu e derramou o líquido todo dentro de nossa geladeira. Como ele é um homem de fibra, fez outro. Mas o barco também é guerreiro e o fez derrubar tudo de novo. Novo bule foi feito e alguns de nós nos servimos. Antes de eu pegar minha xícara, fui ao banheiro e ao sair tive meu primeiro momento matrix: voei e cai em cima da pia, derrubando quem? Sim, o café... as coisas da geladeria viraram uma mistura pouco amistosa. A viagem ficaria um poquinho mais longa.

Anoiteceu.

Coloquei Bob Dylan para tocar, sem parar, uma atrás da outra. Ainda em Santos eu me imaginava na proa, sentado, ouvindo Like a Roling Stone quando avistasse, enfim, Noronha. Mas isso ainda não seria no domingo.

Começamos a nos aproximar de Natal e o radar acusou alguns navios. Todos passaram sem maiores perigos. No escuro víamos alguns mastros, ao longe, um pouco mais a ré e à barla.

No rádio VHF o Grajaú deu lugar ao outro navio escolta da Marinha, o Triunfo - ou melhor, o REBOCADOR DE ALTO MAR TRIUNFO, pois seu nome sempre era chamado no VHF com certa pompa e circunstância. Entre nós ele logo ganhou um apelido carinhoso: "Chama lá o "Triunfão"  e passa nossa posição!".

Numa dessas vezes eu o chamei e perguntei quais eram os últimos barcos da regata. Como resposta, 
recebi um simpático: "Aguarde o final da competição".

À meia noite acordei o o Alan. Dessa vez, porém, o Capitão Sergio foi mais rápido e deitou no beliche de sota. Eu deitei do jeito que deu no de barla, lá no "segundo andar" e peguei no sono. Menos de cinco minutos depois vivi meu  segundo momento matrix: a cama veio de sopetão para baixo e, depois e covardemente, para o lado. O tombo foi feio e deixou claro que eu não iria dormir. Isso foi um pouco desesperador. Eu estava muito cansado.  Uma opção seria ir para a cama de proa, mas nós a havíamos convertido em armário... paciência. Fomos eu e Dylan encontrar o Alan lá fora, onde ficamos dessa vez até o sol nascer. Como consolo restava o fato de saber (ou esperar) que não haveria outro "turno da noite". No dia seguinte chegaríamos em Noronha.

(continua)

Galeria:













domingo, 5 de outubro de 2014

Relato da Refeno 2014 no Vento Real - parte dois.


A bóia de Boa Viagem

Esse ano houve uma alteração no percurso da Refeno, o que segundo a organização a reaproxima de suas origens. Antes de seguir para Noronha os barcos tiveram que voltar algumas milhas indo até uma bóia que fica entre a praia de Boa Viagem e o bairro Brasília Teimosa. Duvido que alguém tenha realmente gostado disso, pois serviu apenas para atrasar todo mundo. Mas regras são regras.

Para nós chegar até essa bóia não foi fácil. Com pouco vento os veleiros mais rápidos logo nos deixaram para trás e ao chegamos no final do molhe do porto o duelo era apenas entre o Jamaica III e a gente. Aquele barco argentino era um bocadinho maior, mas andava muito parecido conosco. Lembrei que poderíamos brigar pelo Troféu Tartaruga, já que estávamos em penúltimo e bastava andar melhor do que o Jamaica, o que naquela altura não parecia tão complicado assim. O Capitão não gostou nada da ideia. Não queria ser uma tartaruga... 

A verdade é que nem o tartaruga seria fácil de ser conquistado. A medida que manobrávamos o barco apenas à vela, nossos problemas aumentaram. Descobrimos que o Vento Real não tem ainda uma ergonomia adequada. O barco é novo (fevereiro de 2014) e foi pouco testado. As catracas não aceitam um giro completo das manicacas  e a escota da genoa está instalada de forma incorreta e frágil. Dar um bordo era um parto - e um parto normal.

O vento na cara começou a aumentar. Então enfrentamos nosso primeiro pirajá - uma nuvem vinda do mar que trouxe ventos na casa dos 25 nós, fez crescer o mar e trouxe chuva bem forte. Bordo para cá, bordo para lá (uma luta para cá, outra para lá) e o Jamaica III nos passou e montou a bóia na nossa frente. Era o fim.

O moral baixou. O Capitão fez menção de desistir. Fingimos que não escutamos. Não era uma barla sota, mas uma regata de trezentas milhas. Muita coisa poderia acontecer, ainda que todas as chances estivessem contra nós.

Quando montamos a bóia, em último e com o Jamaica III lá na frente, a noite começou a cair. O vento uivava nos estais. O mar estava alto. Conversamos e decidimos que a melhor estratégia seria manter o barco inteiro e no melhor rumo direto para a Ponta da Sapata, nossa entrada em Noronha, com o máximo de regularidade na velocidade média, desde antes estimada em cinco nós. Era melhor andar com o VMG = Velocidade a cinco nós do que andar a sete nós e ter que fazer estripulias no rumo, percorrendo uma distância maior.  Foi o que fizemos: 60 graus na agulha o tempo todo e com a obsessão de manter a velocidade nos cinco nós.

Estava frio. A noite caiu de vez, mas antes colocamos a mestra no primeiro rizo. O barco ficou mais dócil, mas ainda atravessava. Demos o segundo rizo e o barco voltou a ficar "na mão". A flotilha estava lá na frente. Éramos apenas nós e o outro pirajá que nos encontrou no través da cidade de Paulista, ainda em Pernambuco.  Já estávamos bem rizados de mestra, de forma que apenas enrolar um pouco a genoa foi suficiente. Jantamos cachorros quentes, feitos pela Leila - um primor! 

Às 22h00 e o Alan e a Leila foram deitar. Eu e o Sergio ficamos no leme, ele levando e eu olhando para o horizonte. As ondas de través faziam o barco jogar de forma cadenciada: quatro "bundadinhas" fracas, depois uma bem forte e assim sucessivamente.

Enjoei. Mas não conseguia vomitar. Fiquei apenas com aquela sensação horrível. Não quis tomar nenhum remédio, pois fazer turno de leme com sono não era a coisa mais sábia a se fazer.

No rádio, então, começou um pandemônio. Éramos a essa altura acompanhados por um navio patrulha da Marinha, o Grajaú - P-40, que a toda hora pedia posições de barcos e informações sobre veleiros que não estavam ao seu alcance. Pelo que ouvíamos o mundo estava acabando para os trimarãs. Um sem mastro, outro sem leme, outro com problemas de "locomoção". Desistências em série, aos montes. Olhamos em volta e víamos apenas luzes de mastro ao longe. No radar os veleiros começavam a se distanciar. Aquele clima nos indicava que a coisa não estava fácil para ninguém. 

O Fandango chamava o Grajaú, mas apenas nós do Vento Real e o Bepaluhê conseguíamos ouvi-lo  e o contestávamos. Era bom ouvir a voz do Paulo, do Bepaluhê. Acabei fazendo uma ponte entre o Fandango e o Grajaú: um dos cascos fazia água. Eles controlaram mas desistiam da regata. Todos a bordo estavam bem. Glup! 

O enjoo me consumia. À meia noite chamei o Alan, que assumiu o leme. Antes ele me deu um plasil. Deitei um pouco mas não conseguia ficar dentro da cabine, que jogava muito. Sai e deitei lá fora. A costa ia ficando cada vez mais ao longe. Nosso Capitão, Sergio, deitou e dormiu.

Às 04h00 o  Sergio rendeu o Alan, acordado por um tombo do tipo matrix . Um pouco melhor do enjoo e muito cansado, fui dormir também. Estávamos no través de João Pessoa e dava para ver claramente que a partir dali o clarão da costa deixava de ser paralelo ao nosso rumo, fazendo a "curva" para dentro. O Capitão tocou o barco sozinho até o amanhecer.

P-40 - NPa Grajaú, um de nossos anjos da guarda.

(continua...)


sábado, 4 de outubro de 2014

Relato Refeno 2014 no Vento Real - parte um.



Preparação e largada

Graças ao meu amigo Alan Trimboli, dono do Meltemi, consegui participar esse ano da Refeno 2014. Ele e sua esposa Leila seriam tripulantes do Vento Real, um Multichine 31 construído ao longo de nove anos pelo Sergio. O Vento Real, o Meltemi e o Malagô já foram vizinhos na Boreal e eu sabia que em tese haveria mais uma vaga. Não sou muito de pedir nada aos outros, mas com a impossibilidade de o Caulimaran ir para a regata e diante do fato de eu estar com simplesmente tudo pronto, não me perdoaria se me conformasse com aquela situação: trabalhar ao invés de ir para Noronha! O "não" eu já tinha, então pior não poderia ficar. 

A resposta, porém, demorou e meu humor foi ficando cada vez mais azedo. É que o Sergio estava indo de Aracaju para Recife (sim, ele entrou sozinho e a noite naquela barra pavorosa) e naturalmente o Alan precisaria conversar com ele antes. Enquanto isso o telefone era apenas silêncio.  Passado o final de semana e a segunda-feira a resposta  veio apenas na terça, 23/09! "- Juquinha, você queria muito ir  para Noronha? Então... pode ir!!!". Sim, depois de tantas tentativas frustradas eu estava na Refeno!

Embarquei para Recife no dia 25/09 e às 10h30 já estava no Cabanga, a bordo do Vento Real.

O clima era quente e muito legal. Um clube com dezenas de barcos respirando vela. Gente de todo lugar. Amigos novos e velhos por todo o lado. O Alan e a Leila chegaram às 14h00 do mesmo dia.

Fizemos compras, abastecemos o barco de água e diesel e revisamos motor, velas e estaiamento. Passamos pelas etapas intermináveis de inspeção e liberação do barco pela Marinha. Na noite do dia 26/09 veio a primeira notícia complicada: por entender de regatas o mesmo que eu entendo de sânscrito arcaico, o Sergio nos inscreveu na categoria aberta. Ocorre que essa era a categoria que largaria por último, às 14h00 (a primeira largada seria 12h30, a segunda às 13h00, a terceira às 13h30 e finalmente a nossa) e isso não era sem motivo: ela trazia os veleiros mais rápidos: os trimarãs e monocascos acima de 50 pés (dentre eles o Caramiranga, nada menos do que o fita azul dessa edição). O Vento Real, por sua vez, era o menor da flotilha, com apenas 31 pés. 

A Refeno costuma ser uma regata onde os ventos de través ou orça folgada imperam. Isso quer dizer que quanto maior a linha d'água do barco, mas vantagem competitiva (velocidade) ele tem. Assim competir para valer com trimarãs ou com veleiros com o dobro da nossa linha d'água era virtualmente impossível, ainda mais sem um critério de correção de tempo, como a RGS!

Ficamos um pouco atordoados (ninguém quer ser o último sem ter chances de lutar, nem que sejam chances meramente psicológicas)  e tentamos mudar isso. O ideal teria sido nossa inscrição na categoria bico de proa, a primeira a largar. Mas a reunião de comandantes já havia acontecido e essa alteração não seria possível. Paciência. De qualquer forma eu estava cem por cento no lucro, pois não era nem para eu estar ali.

Por conta da maré saímos do clube às 09h00 do sábado, 27/09 e fomos para área de espera, onde fundeamos e... esperamos. Almoçamos às 11h30: bife com legumes, feito pela Leila. Uma novidade é que na hierarquia de bordo eu era o último, até por ser o recém chegado. Por conta disso, lavei a louça. E eu ia reclamar?

A largada era dividida em fases. Ao meio dia as classes bico de proa e aço (onde o maravilhoso Bepaluhê estava inscrito) pôde entrar na área de check. Todos os barcos, então, passavam por uma bóia, próximo à platéia e ao narrador, que apresentava os barcos e fazia comentários. Feito esse check os barcos recuavam e esperavam o sinal de cinco minutos para a largada (um pouco antes do Marco Zero do Recife), depois de quatro, um e, enfim, a partida. Esse último tiro era também o sinal para a próxima classe entrar na área de check

A área de espera foi esvaziando. Um veleiro desistiu ali mesmo, por problemas com o motor. Às 13h30 partimos para fazer nosso check. Quando o narrador apresentou nosso barco e a platéia aplaudiu nos sentimos um pouco pop stars da vela e menos a porcaria que de fato somos. Já participei de regatas antes, mas com narrador e platéia, essa foi a primeira vez e confesso que é bem legal.

No tiro de quatro minutos estávamos recuados da linha de largada, mas bem perto. O vento, porém, resolveu acabar e de vez! Isso porque minutos antes - e nas outras largadas - ele estava presente e acima de dez nós! A linha de chegada foi se aproximando, se aproximando, se aproximando... veio o tiro de um minuto e tanto nós quanto o veleiro Miss Carol estávamos escapados, ele um pouco mais a nossa ré. Mas não dava para fazer nada, pois já estávamos em regata e não poderíamos ligar o motor. 

O tiro de largada foi dado conosco escapados mais de trezentos metros. Por ironia o vento voltou fraquinho. O Camiranga veio lá do fundo, desfraldando uma code zero maravilhosa mostrando como é que se faz. Um tripulante do Miss Carol veio nos parabenizar pela "bela largada". Eu achei que ele estava sendo irônico e até fiquei meio bravo, mas depois descobri que ele simplesmente não sabia o que estava dizendo. A CR logo nos esclareceu, via rádio VHF:

"- Os veleiros Vento Real e Miss Carol largaram escapados e terão trinta minutos de acréscimo no tempo de regata. Podem continuar a regata".

Peguei o VHF e respondi: "- Vento Real ciente e de acordo". 

O que já estava difícil ficou ainda mais complicado...

(continua ...)

A mesa de navegação do Vento Real.

Salão do Vento Real: dois carrinhos de supermercado desapareceram nos armários e havia espaço para mais coisas. Barcos do Cabinho são únicos!

Cozinha...

... banheiro.

O Marco Zero.

O Capitão Sergio e o Alan discutindo os últimos detalhes da navegação.

Área de espera...

... Telémaco II, veleiro argentino.

A largada estava chegando.

O almoço também!


Pessoas assistindo a largada no centro do Recife.

O Marco Zero.

Tripulação pop star!

E o vento...

... se foi.

Largamos escapados...

... e ganhamos 30 minutos de penalização...

...assim como o Miss Carol.