quarta-feira, 8 de outubro de 2014

Relato da Refeno 2014 no Vento Real - Final.


Like a roling stone...



Houve um momento muito interessante nesse terceiro e último dia a bordo: quando nos demos conta de que Natal estava mais distante do que Noronha. A capital do Rio Grande do Norte distava cento e vinte milhas de onde estávamos, ao passo que Noronha "apenas" noventa. Foi meio estranho imaginar que estava tão longe de terra, algo equivalente a distância entre Guarujá e Paraty. Além disso a profundidade onde navegávamos era de míseros quatro mil metros! Esses números nos fazem pensar em terra. Mas lá, no mar, a coisa soa tão natural que até chegam a não dizer nada.

O "Triunfão" estava silencioso. Chamou logo cedo, mas a propagação estava ruim e não copiou nossa resposta. Antes do almoço golfinhos roteadores fizeram um show na nossa popa. As aves marinhas passavam para lá e para cá. Na madrugada uma delas tentou pousar em nosso bimini. Para ajudá-la eu coloquei a lanterna em sua direção, mas acho que não deu muito certo pois ela se estatelou no mar...

Ao meio dia vimos algo inesperado: velas ao vento, a nossa popa! Veleiro a vista!!!

O vento baixou. Dos 25 nós da  madrugada "despencou" para 15, depois 10, depois 8... Ora, isso não se faz!!! Interessante como nossos parâmetros mudam. Em Ubatuba o ventão da madrugada seria convidado a se retirar. Aqui era desejado com ardor. Tiramos o rizo da vela mestra.

As velas do outro veleiro mantiveram-se a nossa ré, à boreste. Sempre na mesma marcação, o que indicava que a velocidade era a mesma. Almoçamos e fomos vistados por baleias piloto. Pena que a câmera nunca está a mão nessas horas.

Curiosos por saber quem estava a nossa ré - no visual e fora dele - bolamos estratégias. O Capitão Sergio pensou em fingir ser outro barco, o USS Pernambuco, da Marinha dos EUA. Acho que não enganaríamos o valente "Rebocador de Alto Mar Trinfo" por muito tempo.

No fim da tarde, então, algo miraculoso aconteceu: as velas que nos seguiam no horizonte começaram a ganhar uma velocidade sobrenatural. A medida que o vento caia, mais elas andavam. Desceram no vento e terminaram  bem a nossa frente, no rumo direto da Sapata. Mais do que isso: começaram a abrir distância! Quanto menos vento havia, mais eles andavam. Mistérios... mistérios... mistérios...

Não vimos Noronha chegar durante o dia. A 25 milhas - quando em geral se começa a ver terra - não se via nada, nem as nuvens que ficam por cima das ilhas oceânicas.

Anoiteceu. O vento subiu para quinze nós e o veleiro superandador a nossa frente começou a andar menos. Manteve-se a  uma milha de nossa proa. Eu estava no leme e me guiava usando sua luz de mastro. Eram 20h30 quando um clarão se fez ver no horizonte. Terra a vista. Foi um momento sereno, quase natural - muito diferente do que eu pensei que fosse. E eu não estava ouvindo Like a roling stone...

Pouco depois mudamos para o canal 77 e ouvimos o valeiro misterioso anunciar seu nome: "CR, CR, aqui Jamaica III, Montamos a Ponta da Sapata". Hum, era ele, o Jamaica III! 

Quando montamos a Sapata entreguei o leme ao Capitão Sergio. A honra de chegar em Noronha deveria ser dele. Afinal foi ele que em solitário saiu da Boreal em uma manhã chuvosa de sábado e levou o barco sozinho até Recife. Foi ele quem gastou nove anos de sua vida fazendo aquele barco.  E fez tudo isso como se fosse a coisa mais normal do mundo. O Sergio é um homem verdadeiramente do mar e merece minha mais profunda admiração.

Eu imaginava Noronha como uma ilha monstruosa, saindo do mar e indo raivosa em direção ao céu, ganhando as alturas. Mas não. Ao chegar ali o que encontrei foi uma "pedrinha" tão bela, quanto frágil. Ilha que é quase ilhota. Delicada. Pequenina. Baixinha. Uma sillhueta de Niemayer no meio da escuridão do deserto do oceano. 

Pelo rádio acompanhamos a chegada do Jamaica III e soubemos que um veleiro que estava atrás de nós desistiu e ligou o motor. O Tartaruga seria do jamaica III e foi melhor ter sido assim, para alegria do nosso Capitão que relutava em aceitar a honraria.

Menos de meia hora depois de montarmos a Ponta da Sapata ouvimos no canal 77:

- Veleiro que se aproxima da CR, identifique-se.
- CR, aqui Vento Real - respondeu o Alan.
- Vento Real, você consegue ver a linha de chegada?
- Afirmativo.
- Vento Real, ilumine suas velas.

Houve um breve silêncio e então as palavras que eu nunca irei esquecer:

- Vento Real, bem vindo a Fernando de Noronha.


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3 comentários:

  1. Muito legal a sua Narrativa, Juca. Parabéns pela regata!!
    Abraço!!

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  2. Grrrraaaaaaaaaannnde Ricardo!!!
    Pena vc não estar lá com a gente!
    Esse fds vou para Ubatuba! Vamos tomar uma... coca!
    Bons ventos!

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  3. Venha Sim, só que nem coca gelada tô tomando, já que estou no estaleiro com rinite, sinusite, alergite, dor de gargantite entre outros 'ites'....que tal um chá quente?? kkkk ô decadência!!!!...

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