As águas azuis
Acordei antes das 07h00. O enjoo ainda me atormentava. Ao sair da cabine vi o Grajaú ao longe, em nossa popa. Olhei para o Sergio e pensamos a mesma coisa: ele está escoltando o fim da fila. Assumi o posto do Sergio, que desceu e foi ao radio:
- Grajaú, copia Vento Real?
- Afirmativo, prossiga.
- Grajaú, vocês podem nos informar se há algum veleiro cinco milhas a nossa frente?
O Capitão perguntava isso porque havia dúvida na interpretação de uma imagem radar, se era uma nuvem ou um navio. O operador do rádio do navio pediu que esperássemos e, após alguns instantes, respondeu:
- Vento Real, a cinco milhas não há nenhum... mas há dois veleiros num raio de oito milhas a sua frente.
Comentei com o Sergio que não estávamos tão atrás. Foi então que veio uma informação que era absolutamente inesperada:
- Apenas para informação - continuou o operador de rádio do Grajaú - vocês não são os últimos. Há mais dois veleiros atrás de vocês.
UAU!
Ao passar a bóia de Recife nós estávamos tão em último, mas tão em último, que era simplesmente inimaginável temos ultrapassado um outro veleiro. Dois, então?! A estratégia de manter o VMG = VM estava dando certo. A noite haviam barcos arribando ou orçando e com isso eles se afastavam de nós. Nossa navegação estava excelente... pena não temros largado na bico de proa ou, melhor ainda, na RGS!
Com o ânimo revigorado, continuamos no nosso caminho. Média de 5,4 nós. Lá pela hora do almoço meu enjoo passou. Enjoar não me é comum. Acontece mais quando eu não durmo direito, como vinha sendo o caso. Ao nosso redor não víamos mais nenhum barco, mas graças ao Grajaú sabíamos que não éramos os útlimos. João Pessoa ficava para trás.
Chamei o Bepaluhê no rádio, que me passou sua posição. Para meu espanto estava a apenas oito milhas de nós. A nossa frente, confirmados, havia ele e o JR01. A popa era a incognita, mas apostávamos nossas fichas que um daqueles barcos era o Jamaica III.
Pela primeira vez eu vi a tal água azul. Longe dos nutrientes do continente, a água do oceano fica mais pobre em partículas em suspensão. Perde o tom esverdeado e ganha uma cor azul de encher os olhos, difícil de comparar com qualquer outra coisa. A crista das ondas que arrebentam por causa do vento ficam da cor da pedra água marinha (talvez por isso o nome). Nem preciso dizer como isso é bonito.
No meio da tarde os golfinhos vieram nos fazer a primeira visita, sendo um deles filhote. Esses carinhas sempre nos deixam felizes.
O Capitão fez café. Mas com aquele joga joga do mar, o bule caiu e derramou o líquido todo dentro de nossa geladeira. Como ele é um homem de fibra, fez outro. Mas o barco também é guerreiro e o fez derrubar tudo de novo. Novo bule foi feito e alguns de nós nos servimos. Antes de eu pegar minha xícara, fui ao banheiro e ao sair tive meu primeiro momento matrix: voei e cai em cima da pia, derrubando quem? Sim, o café... as coisas da geladeria viraram uma mistura pouco amistosa. A viagem ficaria um poquinho mais longa.
Anoiteceu.
Coloquei Bob Dylan para tocar, sem parar, uma atrás da outra. Ainda em Santos eu me imaginava na proa, sentado, ouvindo Like a Roling Stone quando avistasse, enfim, Noronha. Mas isso ainda não seria no domingo.
Começamos a nos aproximar de Natal e o radar acusou alguns navios. Todos passaram sem maiores perigos. No escuro víamos alguns mastros, ao longe, um pouco mais a ré e à barla.
No rádio VHF o Grajaú deu lugar ao outro navio escolta da Marinha, o Triunfo - ou melhor, o REBOCADOR DE ALTO MAR TRIUNFO, pois seu nome sempre era chamado no VHF com certa pompa e circunstância. Entre nós ele logo ganhou um apelido carinhoso: "Chama lá o "Triunfão" e passa nossa posição!".
Numa dessas vezes eu o chamei e perguntei quais eram os últimos barcos da regata. Como resposta,
recebi um simpático: "Aguarde o final da competição".
À meia noite acordei o o Alan. Dessa vez, porém, o Capitão Sergio foi mais rápido e deitou no beliche de sota. Eu deitei do jeito que deu no de barla, lá no "segundo andar" e peguei no sono. Menos de cinco minutos depois vivi meu segundo momento matrix: a cama veio de sopetão para baixo e, depois e covardemente, para o lado. O tombo foi feio e deixou claro que eu não iria dormir. Isso foi um pouco desesperador. Eu estava muito cansado. Uma opção seria ir para a cama de proa, mas nós a havíamos convertido em armário... paciência. Fomos eu e Dylan encontrar o Alan lá fora, onde ficamos dessa vez até o sol nascer. Como consolo restava o fato de saber (ou esperar) que não haveria outro "turno da noite". No dia seguinte chegaríamos em Noronha.
(continua)
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