segunda-feira, 26 de março de 2012

E quando a gente acha que sabe tudo...

Boas!

Na época dos famigerados assaltos em Paraty (já solucionados, ufa!) a revista Veja publicou uma matéria sobre o ocorrido. Ao longo do texto a publicação afirmava que o Saco do Mamanguá era um "fiordi". A grafia equivocada (o "i" no final, com pingo e tudo) gerou comentários jocosos, pois está errada. Eu, então, do alto da minha cultura 'wikipediana' típica da geração Y (forçando um pouco a barra eu posso dizer que sou da primeira turma!), descasquei onde pude que o Mamanguá não é um fiorde, mas uma "ria". Até escrevi isso aqui no blog...





Pois é... meus quinze minutos de brilho acadêmico duraram menos do que eu imaginava. O oceanógrafo Paulo Harkot, do veleiro Sinergia, tratou logo de me corrigir. Eis o e-mail que ele me enviou e que gentilmente autorizou fosse publicado aqui no blog do Cusco Baldoso:

"Saco do Mamanguá, Paraty, RJ.

Ainda que alguns autores considerem-no um Fjord, ou Fiorde, graças às configurações geomorfológicas que apresenta ele não se caracteriza como tal já que não foi provocado por um evento associado ao deslocamento de uma grande geleira, como ocorreu nos países nórdicos, onde diversos exemplos estão presentes.

Nem, tampouco, uma Ria, já que o fator preponderante para a ocorrência daquela feição não está associada à erosão fluvial, visto não se dispor de área de drenagem suficiente para captar água, nem tampouco tempo, para possibilitar a ação desse agente erosivo e tal magnitude e intensidade.

No meu entender, e segundo alguns especialistas - vejam Asmus, HE e Almeida, FFM, entre outros autores - esse tipo de configuração decorreu, em termos simplistas, do basculamento dos blocos falhados que se originaram como decorrência dos derrames basálticos associados à formação da Bacia do Paraná que, ao acrescentar massa substancial no interior do continente fez com que a borda atlântica viesse a se soerguer entre a Baía da Guanabara e a o sul de Florianópolis, no segmento litorâneo denominado das Escarpas Cristalinas, no contexto do que se denomina Arco de São Paulo.

Como consequência desse processo cuja intensidade das componentes de força fogem à nossa capacidade de compreensão, ocorreram diversas falhas, do tipo normal, que causaram o quebramento da crosta continental na região de maior esforço dando origem a uma série de grandes blocos que passaram a se mover, uns em relação aos outros, basculando-se.

A manifestação mais facilmente visível desse evento é representada pela escarpa - ou plano de falha - da Serra do Mar, com um desnível de, em média, 800 metros, ao longo de cerca mais de 1.500 km

Adicionalmente a essa grande manifestação, a porção da crosta continental que estava à leste desse plano de falha, passou, na região de maior esforço, por intenso falhamento.

Um exemplo claro do resultado desse processo são as muitas ilhas na Baía de Ilha Grande, litoral norte e centro de São Paulo e litoral norte de Santa Catarina, ilha de Santa Catarina inclusa, cujos vértices, ou arestas, são representadas pelas porções mais elevadas das ilhas que, no presente, encontram-se afloradas em relação ao nível do mar atual,

Basta olhar no GoogleEarth para identificar esse comportamento, de maneira clara e inequívoca.
Nesse contexto, o Saco do Mamanguá, pode ser o resultado - o vale que lá existe - de um bloco que, ao ser fraturado, originou um plano de falha resultado do basculamento de um deles, ou dos dois, e a porção mais baixa, como se fosse uma cava, originou a área ocupada pela água e pelos sedimentos que ali estão presentes.

Bem como, em escala menor e de maneira parecida, ocorreu naquela reentrância existente a noroeste do Saco do Mamanguá, da qual o nome me esqueci.

Caso queiram mais informações, sugiro o trabalho de Asmus, H.E., Ferrari, A.L. 1978. Hipótese sobre a causa do tectonismo cenozóico na região sudeste do Brasil. 4:75-88 (Série Projeto Remac), que tem ótimos desenhos esquemáticos que permitem compreender o ocorrido, à luz dos conhecimentos existente naquela época.

Sugiro, também, o Dicionário Geológico Geoformológico, de Antonio Teixeira Guerra, para obter informações mais precisas a respeito de Fjord, Ria, vale, falha e lineamento, entre outros termos correlatos.

Coloco-me à disposição, caso queiram, para enviar uma cópia dos referidos esquemas e, inclusive, o texto escrito no mais puro e profundo geologês.

Abraços

Paulo Harkot"

O tio Guimarães Rosa já dizia que "mestre não é quem sempre ensina, mas quem de repente, aprende" (e essa eu não peguei na Wikipedia!)... Bora então virarmos todos mestres de alguma coisa (ou coisas)!

Bons ventos!

segunda-feira, 19 de março de 2012

Enrolador de gennaker

Boas!


Não é apenas a genoa que pode ser enrolada. O assimétrico, ou gannaker - de que já tratamos aqui no blog antes - AQUI! - também pode usar um enrolador. Este, ao contrário dos enroladores de genoa, não possui foil nem qualquer perfil fixo e após o uso é guardado dentro do barco. Além disso o cabo não enrola no tambor: gira em volta infinita. No Brasil a NAUTOS fabrica um sistema interessante e eu ando tendo ideias...



Bons ventos!

segunda-feira, 12 de março de 2012

Coletes x crianças...

Boas!

O último post, sobre bebês navegadores, rendeu um bocado. Existem vários por ai e isso é muito bom, pois significa uma nova geração de meninos e meninas do mar, dos rios, dos lagos, das, represas, etc.

Uma questão que nos foi colocada por muitos foi sobre o fato da  Alice não usar o colete o "tempo todo" e, por isso vamos abordar essa questão com um pouco mais de profundidade, para não passar nenhuma impressão equivocada.

Não somos contra o colete de modo algum. Muito pelo contrário, ele é um equipamento essencial e todos a bordo devem saber onde ficam e como usá-lo. Ocorre que da forma como utilizamos nosso barco, é simplesmente impossível - e sem propósito - manter a criança o dia inteiro com ele. 

No verão fica muito fácil visualizar o motivo. Ainda que a criança um dia se acostume com a situação, dentro da cabine o calor é intenso. O colete, nessas horas, apenas iria agravar a perda de líquidos, pois aumentaria - e muito,  a temperatura corporal (já mais alta), isso sem falar nas assaduras e brotoejas... e dentro da cabine só haveria proteção contra a água que se acumula no poço, rs. Não faz sentido.

No nosso caso, o colete é usado sempre que a Alice é desembarcada, no bote de apoio ou quando vai nadar, seja na praia, seja ao redor do barco nos infláveis. Em caso de uma navegação mais dura (vento/mar), colocaríamos também (e não apenas nela, mas em nós também!). Isso não aconteceu e não deve acontecer tão cedo, pois quando estamos com ela  vamos "só até ali". Não faríamos, por exemplo, uma travessia ou uma navegação mais longa.

Antes da Alice nós velejamos em um Dinghy Andorinha (Dom Fernando) e, depois, em um Daysailer (o Brisa), com nossa filha mais velha, a Brida (então entre cinco e sete anos). Sempre saíamos de colete. Sempre. E mais importante do que isto, nós também usávamos, para dar o exemplo. Se era chato para a ela, era para nós também.



Porém, seja qual for a embarcação, o fato de a criança estar de colete não deve transmitir uma segurança tal a ponto de não existir uma estratégia para evitar que a criança caia no mar. Mesmo de colete o resgate sempre será complicado, por mais que o mar esteja liso, seja dia e não tenha vento... O colete é sempre uma segunda linha de defesa. A primeira deve ser sempre evitar a queda da embarcação e é importante que isto seja pensado.

A propósito, é preciso haver na embarcação coletes homologados pela Marinha adequados para o tamanho da criança, obedecendo a classificação da embarcação. O ideal são aqueles com motivos infantis, mas com suporte para a flutuação da cabeça/pescoço, como os da foto a seguir (Classe V, homologado pela DPC) Sem isso o rosto da criança tende a afundar e quando ela é muito pequena tem dificuldades de voltar para a posição correta. 



E vamos no pano mesmo!

segunda-feira, 5 de março de 2012

Navegando com um bebê: a regra de ouro.

Boas!

Muita gente nos pergunta se não temos medo de navegar com a Alice. A resposta que damos é sempre a mesma e não poderia ser outra: "Sim, temos muito medo e é por isso que ela está segura". Apesar do aparente paradoxo, nossa posição faz muito sentido.



Inicialmente não começamos a velejar com a Alice a bordo sem pensar nas possíveis implicações disso. Antes, em terra, conversamos muito sobre o assunto, traçamos uma estratégia bem definida e até hoje a seguimos sem permitir nenhuma concessão. 

O barco, em si, já é um lugar mais ou menos adaptado, pois todos os cantos são arredondados e as coisas são organizadas de forma a não sairem voando (pelo menos não com muita facilidade). Mesmo assim começamos identificando locais que poderiam oferecer algum risco. Cobrimos as cabeças de parafusos com porcas calota; cortamos e limamos excessos de metais; cobrimos com espuma alguns trincos, colocamos travas em armários e gavetas.  Instalamos, também, rede de proteção no guarda-mancebo.


Depois disso, criamos a regra de ouro, aquela que permite que naveguemos, no motor ou à vela ou fiquemos ancorados em qualquer lugar e onde reside todo o equilíbrio da nossa estratégia: SEMPRE TER ALGUÉM DE OLHO NELA, BASTANTE PRÓXIMO E A TODO INSTANTE, SEM EXCEÇÃO, VALE DIZER: ATÉ MESMO QUANDO ELA ESTIVER DORMINDO..

É esse, basicamente, o segredo.

Somos dois adultos e uma (quase) adolescente a bordo. A todo instante um se reveza nos cuidados com a Alice. E nas ocasiões em que há "troca de turno", existe um outra regrinha: AVISAR A OUTRA PESSOA QUE DAQUELE MOMENTO EM DIANTE A NENÉM ESTÁ SOB SUA RESPONSABILIDADE e, mais importante ainda do que isto, SÓ DESVIAR A ATENÇÃO DELA APÓS CONFIRMAR QUE A OUTRA PESSOA ENTENDEU ISSO CLARAMENTE

É um pouco trabalhoso no começo, mas dá certo.

No início pensávamos que mantê-la na cabine seria o mais conveniente e seria isto o que faríamos. Mas faltou combinar isso com a pequena também! Enquanto ela apenas engatinhava, até que funcionou. Mas essa fase dura pouco. Aos dez meses ela aprendeu a andar e hoje, com um ano e dois meses, até sair da cabine sozinha ela já consegue, motivada não apenas pela curiosidade inata, mas principalmente pelo calor!

Isso enfatiza a importância da regra de ouro, mas também cria novos desdobramentos que demandam novas soluções.

Pensamos, por primeiro, em fazê-la usar o colete o tempo todo, mantendo-o amarrado por um cabo ao barco. Mais uma vez faltou acordo com nossa proeirinha! Ela chorava muito e não se adaptou a viver "apoitada". O que fazer?



Decidimos, não sem muito pensar a respeito, que seria impossível cercear a movimentação da neném por completo. Então lembramos de Pavlov e seu reflexo condicionado.  Deixamos ela mais ou menos livre para  subir e ir onde quisesse, mas quando ela vai para algum lugar perigoso (claro, o favorito de qualquer bebê!), a repreendemos verbalmente de forma incisiva e firme. Assim que ela deixa o lugar perigoso (por exemplo, o paiol de popa ou o banco no cockpit), adotamos postura extremamente oposta, fazendo-lhe carinhos, dando beijinhos e batendo palminhas, feito os pais bobos que somos. 

Deu mais ou menos certo. Ela está aprendendo e cremos que com o passar do tempo e com o crescimento, essa ideia será reforçada. Acredito piamente que esse é o caminho: liberdade com responsabilidade (nesse caso, por enquanto, apenas de nossa parte, nos termos da regra de ouro!).



Quanto à navegação propriamente dita, também começamos devagar. Nós moramos em Santos e nosso barco fica em Paraty. No primeiro final de semana que passamos a bordo, não saímos. Ficamos estudando o comportamento da neném e imaginando o que poderia dar errado (cientes de que nesse caso a imaginação dela é sempre melhor do que a nossa). No segundo, saímos apenas no motor e fomos apenas até ali, para Jurumirim. No terceiro subimos as velas e fomos até a Ilha do Araújo e assim sucessivamente. No último carnaval, seis meses depois de termos comprado o novo Cusco Baldoso, passamos quatro dias embarcados, direto, com ela a bordo, dormindo fora da marina e sem nenhum problema. 

O coletinho é usado quando saímos para alguma praia, no bote, ou quando as meninas vão nadar nos infláveis. E ela - que adora água - ao ver o colete já dá o bracinho, toda feliz, porque sabe que vai nadar.



Temos, sim, muito medo e é por isso que ela está segura. 

Aos dez anos de idade tenho certeza de que ela vai tocar o barco sozinha... mas isso já é assunto para outro 'post'By the way,  de agora em diante as atualizações do blog serão semanais, todas as segundas-feiras. Acompanhe!

Bons ventos, sempre!