segunda-feira, 18 de dezembro de 2017

Obrigado 2017

Boas!

Essa será minha última postagem de 2017.

Dia 29 de dezembro embarco no Soneca, junto com meus amigos Spinelli e Alan, com destino à Africa do Sul. A data exata da partida ainda é incerta. O tempo do mar não é mesmo que o de terra. Mas assim que tudo estiver pronto, incluindo a gente, soltaremos da poita e literalmente seguiremos rumo ao horizonte.

O mais difícil dessa viagem é deixar as amarras de terra. Dia após dia construímos um muro ao nosso redor que nos impede de mudar, de ir além, de sair do ordinário e do comum. O mais incrível é que com o passar do tempo não apenas achamos isso normal, como fazemos de tudo para defender a rotina, mantê-la em nossa vida, sã e salva, firme e forte.

Se eu fosse parar para pensar talvez essa não seria a melhor época para eu ir. Há muito o que fazer no escritório; há alunos de vela querendo aulas em janeiro e fevereiro; há uma pilha de contas; há aquelas que mais amo se mudando para tão longe de mim. E se eu continuar procurando nesse baú, encontrarei mais uma infinidade de motivos para não ir. Todos relevantes, socialmente justificáveis e até mesmo nobres. É um fato que as armadilhas que criamos para nos prender ao dia a dia são infinitas e suscetíveis de infinito desenvolvimento. Um jeito complicado de dizer que sempre arrumamos uma desculpa para não realizarmos nossos sonhos.

Há dezoito anos, exatamente, eu estava viajando para Cuiabá para encontrar meu pai moribundo. No voo lia um livro de um navegador que, em cem dias, remou da costa Africana até a baia da espera. Aquela viagem a remo (à época eu era canoísta) me marcou muito e povoou meu imaginário durante muito tempo. Hoje sou eu quem, ainda que pela rota inversa (e mais difícil) fará esse caminho. 

É uma travessia relativamente simples e até certo ponto, óbvia.  Os navegadores portugueses e espanhóis a fizeram centenas de vezes com muitos menos recursos. A maior dificuldade está dentro da cabeça: manter-se são ao passar um mês isolado da rotina. Espaço confinado. Convivência.

Por que fazer essa viagem?

Porque é meu sonho. Apenas por isso. Não ganharei nenhum prêmio, não ficarei famoso, não me tornarei menos comum por isso. Vou pelo simples pelo fato de estar realizando um sonho - e diante de tantas amarras que temos na vida, fazer isso já é uma conquista.

Esse ano não foi fácil. Muita coisa mudou. Muita coisa se perdeu. Outras tantas novas surgiram. Às vezes é preciso mudar tudo, para que tudo continue fazendo sentido.

Obrigado 2017.

Eu vou até ali, e já volto.


Para quem quiser acompanhar nossa travessia segue o link do nosso Spot (a partir de 29/12/2017): 

http://share.findmespot.com/shared/faces/viewspots.jsp?glId=0uTjrkv3BEmZTs52R0qATpMEzdhc1ORd7


segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Paraty com vento...

Boas!

No começo desse ano recebi um e-mail do Rafael, querendo fazer aula de vela na primeira turma do ano, em 29 de janeiro. Para sorte dele ainda havia uma vaga e depois de três dias a bordo ele completou, com louvor, o curso básico de vela oceânica.  Nessa mesma época eu abri o CCB - Clube Cusco Baldoso. Destinado aos nossos ex-alunos, ao custo de uma pequena  mensalidade pode-se usar um veleiro com outros alunos sábados ou domingos, na base Santos. O Rafael foi o sócio número um, seja porque foi o primeiro a aderir, seja porque usou todos os dias que pôde - e bem usado. 

O Capitão Rafael

Em junho desse ano ele já se sentiu seguro para seguir seu próprio rumo e, com o apoio da família (a esposa Leila e o filho Jorge, que embarcaram de cabeça)  comprou seu próprio veleiro, um Brasília 32, em Paraty.

Desde que ele comprou o barco eu lhe devia uma visita. Mas veleiros e agendas são coisas difíceis de conciliar. Nesse último feriado, porém, deu certo e na quinta de manhã (depois de uma aventura com a Gabriela no centro de Paraty na noite anterior - essa eu conto outro dia) lá estava eu na popa do Oré Igarité ("Nosso barco", em tupi) de mala e cuia.

Que grata surpresa!

Saímos da marina e menos de cinco minutos  depois já estávamos com o  motor desligado. Vento em Paraty! O que poderia ser melhor?

O Rafael e a Leila estão levantando o barquinho, que já conta com velas novas. Fiquei impressionado com o quanto o barco é equilibrado. Boa velocidade, leme dócil, espaço interno muito bem distribuído e suficiente para um casal ir para qualquer lugar do mundo. Pretendo olhar com mais carinho o Brasilia 32, devo admitir, já com segundas intenções...

Brasilia 32, um belo barco!

Velejamos até a Ilha do Cedro, onde em 2013 eu passei o Natal ancorado a bordo do Malagô. Gosto muito dessa região de Paraty, pois a visão que se tem do continente (praias de São Gonçalo, São Roque, etc...) é a mesma, ainda hoje, que os descobridores portugueses tiveram quinhentos anos atrás.

Vamos no pano mesmo!

Não ficamos no Cedro. A ancoragem estava cheia e a vontade de velejar era grande - ainda mais havendo vento! Seguimos para a Ilha da Cotia, passando por dentro das lajes rasa e funda (eu sempre passo por fora). Chegamos na "enseada da paz celestial" no final do dia, ainda com luz. Ancoramos "na vela", pois o motor ferveu logo após o ligarmos para a manobra.

Paraty com vento e velas rizadas!


A Ilha da Cotia...

No dia seguinte seguimos para o Saco do Mamanguá, no pano mesmo. Ancoramos lá no fundo do saco, fazendo a manobra novamente na vela, e almoçamos. A Leila fez refeições "padrão daquele nosso amigo", não posso deixar de registrar aqui. Depois de uma certa preguiça, levantamos as velas e tocamos para a Cajaíba, lá para os lados da Joatinga, onde passamos a noite.

Soneca no Mamanguá...

De madrugada entrou um SW de vinte nós, fazendo os estais zunirem. Eu e o Rafael monitoramos a ancoragem durante toda a noite, sob um céu estrelado, uma lua de sangue e  o cabo da âncora reluzente pela ardência. Fazer pipi na proa na alta madrugada é quase psicodélico!

Às cinco da manhã seguimos à moda do Spinelli (ou seja, velejando a um nó, na calmaria). O rotor do motor havia queimado e a troca estava um pouco mais complicada do que de costume. Logo desistimos desse tal de motor e continuamos como nos dias anteriores, aproveitando cada brisinha para voltar para a marina.

Leila, a Capitã!

Um pouco mais de 14h o Rafael pôs o barco na vaga da marina, na vela. Eu não falei nada, mas encheu o peito de orgulho. Os "andadores de veleiro" de hoje em dia teriam ficado em pânico quando não se pôde mais contar com o motor ou quando uma ou outra coisinha deu pau aqui e ali. Mas o Rafael, a Leila e o Jorge não. Fizeram como os velejadores de verdade fazem: se adaptaram a cada entrave e seguiram curtindo o passeio, milha a milha, com leveza e alegria.


Agradeço aos três pela acolhida generosa. Muito. Há tempos não passava momentos tão bons no mar e esses dias me ajudaram a lembrar para que serve tudo isso. O melhor da vela são as pessoas que ela nos traz.

E a cara de vagabundo do mar vem chegando para ficar...

Cheguei em Santos no sábado a noite, já tarde e no domingo, fui trabalhar, pois ninguém é de ferro. Sai com sócios do CCB num dia de chuva e céu escuro. Lá na baia de Santos, outra surpresa boa: o Rogério (outro amigo da Cusco Baldoso) estava para lá e para cá sozinho em seu Skipper 21, dominando uma bonita gennaker. E aos poucos vamos espalhando velejadores (de verdade!) por essas águas.



E vamos no pano mesmo!

quarta-feira, 4 de outubro de 2017

De Ubatuba a Joinville...

Boas!

Como parte de nossos preparativos para o Desafio Africa do Sul Cusco Baldoso Soneca 2018, o Tio Spinelli fez um curso avançado (CBVO # 108) navegando em área oceânica (a mais de vinte milhas da costa) e direto entre Ubatuba (SP) e Joinville (SC).

Na tripulação tivemos inicialmente três alunos: o Elton, o Vagner e a Tatiana. No dia da partida, 30/09, já em Ubatuba, o Elton recebeu uma triste notícia e teve que desembarcar (mais uma vez nossos sentimentos a ele e à Erica). Os planos mudaram um pouco e às 13h00 do domingo, 01/10, o Soneca partiu rumo à Santa Catarina.

Nosso esquema de aula me orgulha muito, devo confessar. Há escola de vela por ai que faz avançado entre Paraty e a Ilha Grande. Nós não, vamos muito além disso. E voltamos.

A seguir nossa conversa com o Tio Spinelli, assim que ele chegou em Joinville:

Juca Andrade: Qual a distância navegada entre Ubatuba e Joinville?
Tio Spinelli: Nossa derrota teve 298 milhas náuticas. É quase uma Refeno, mas em condições climáticas bem mais desafiadoras.

  
Juca: Qual o tempo previsto para esse trecho e em quanto tempo vocês o cumpriram?
Tio: Nossa previsão inicial era fazer em 60 horas (média de cinco nós).  Fizemos em 54, com o sol se pondo. Foi lindo! Tivesse vento o tempo todo e teríamos feito em menos de 48.  Foram 39 horas à vela, no leme de vento. Batemos o recorde do Soneca em 12 horas de navegação: 88 milhas, média de 7,3 nós! 



Juca: Como estavam as condições de vento e mar?
Tio: Variadas. Tivemos de tudo. Saímos de Ubatuba abrindo para a Ilha de Búzios, para passar a Ilhabela por fora e ganhar o mar aberto, rumo direito de Joinville. Tivemos clima alternado. Calmaria, vento, ventinho, ventão. Nas calmarias usamos o motor, infelizmente. No vento chegamos a pegar trinta e cinco nós, de alheta, com ondas de três metros e meio.  A Tatiana e o Vagner foram todo o tempo bastante solícitos, hábeis e aproveitaram muito a oportunidade.

Juca: E o barco, como se comportou?
Tio: Muito bem! Houve um pequeno rasgo na vela mestra, mas nada sério e de certa forma esperado depois do que essa vela passou na Argentina. O destaque foi o leme de vento. Fiz algumas "melhorias" no projeto. Antes ele não mantinha o rumo na orça, derivando alguns graus. Isso foi corrigido e agora ele tem uma estabilidade de rumo impressionante em todas as mareações.

Juca: E o retorno, quando será? Temos vagas?
Tio: Acho que voltarei apenas em maio, você já viu a meteorologia? Não tem frente fria! Falando sério,  iniciaremos a volta no final de semana. Talvez tenhamos que fazer escalas, pois a Tatiana tem que estar em terra no dia 11/10. Ainda temos duas vagas para a volta. Quem quiser vir conosco é só entrar em contato com o Juca: capitao@cuscobaldoso.com.

Desafio Africa do Sul Cusco Baldoso Soneca 2018 parte de Ubatuba entre os dias 01 e 07 de janeiro de 2017. O dia exato depende apenas da meteorologia. A tripulação de ida já está fechada, mas a da volta ainda não. Ainda temos vagas para a volta e você pode vir com a gente!

Uma outra forma de velejar com a gente é ajudar nosso projeto por meio do APOIA.SE. Com uma pequena contribuição mensal o apoiador ganha como recompensa uma velejada no Soneca! Várias pessoas já estão nos apoiando e elas só temos que agradecer. Nosso amigo e apoiador Mauro Pascotto, inclusive, irá com sua esposa Myrna velejar no Soneca em... CAPE TOWN!

Para nos apoiar basta CLICAR AQUI!

E Vamos no pano mesmo.


terça-feira, 3 de outubro de 2017

Revisão da balsa...

Boas!

Hoje foi dia da empresa que faz a revisão de balsas salva vidas verificar o estado da balsa do Soneca.

A revisão deve ser feita anualmente no Brasil. O momento do teste tem sempre uma certa apreensão. Se fosse preciso, ela teria inflado?!







Quem vai ao mar se avia em terra. Essa é uma visão que ninguém espera ter lá, no mar. Mas, se for preciso, saberemos que ela inflará!

E vamos no pano mesmo.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Desafio Africa do Sul - preparativos

Boas!

Pois é, agora vai.

Nosso Desafia Cusco Baldoso Africa do Sul 2018 está oficialmente confirmado.

O item mais importante, tripulação, está completo para a ida: José Spinelli Neto (capitão), Juca Andrade e Alan Trimboli, todos instrutores da Cusco Baldoso. 

Dizer que o Soneca está pronto é redundância. Ele sempre está pronto para partir. Porém o Tio está caprichando ainda mais, se é que isso é possível.

O leme de vento foi todo revisado e ele corrigiu alguns "erros de projeto". 



A bateria do Epirb foi trocada.



A balsa salva vidas já está em Santos comigo para a revisão. Até lá estamos usando a do Fratelli, cedida gentilmente pelo amigo Marcelo Damini.


As ferragens para a gennaker já estão instaladas (gurupés e tope).





Os remédios já estão sendo providenciados. Apoio da Pharmacia Essencial, do amigo Eduardo Colombo.

As velas - mestra, genoa e gennaker - já foram encomendadas ao Arnaldo Andrade, da Cognac.

O César Pastor, capoteiro de primeiríssima, nos presenteou com capas para vigias e gaiutas e bolsas para cabos. Eu comprei o Malagô do Cesar e continuei amigo dele depois disso, rs. Isso mostra quão bacana ele é.

Comprei um telefone por satélite Spot. Mas a área de cobertura não nos atende nessa viagem. Iremos levar um Inmarsat, cedido pelo Phillipe , do veleiro Kilimanjaro.

Tenho feito exercícios físicos regulares e comecei o check-up completo (médicos e dentista). Minhas asma está controlada. O medo, sempre, é a apendicite... mas isso não tem muito jeito.

A lista ainda é grande. Falta comida, o que para o Tio acaba sendo sempre o item mais complicado. Eu estou aprendendo a fazer pão e a cozinhar. Estar morando sozinho tem me ajudado nisso. Tem dias que a comida sai intragável. Outros, até repito. O pão, porém, tem sempre saído bom, com a ajuda da Alice. 

Hoje é dia de pizza... vamos ver como fica.




Sairemos de Ubatuba para Cape Town entre os dias 01 e 07 de janeiro. Eu e o Alan faremos apenas a ida. Nossa volta para o Brasil deverá ser no carnaval, dia 12 ou 13 de fevereiro. Serão mais de três mil milhas náuticas sem escalas - com sorte veremos Tristão da Cunha passar por nós, ao norte. A travessia deve levar entre vinte e cinco e quarenta dias.

Em tese teríamos mais uma vaga para a ida, porém, decidimos priorizar preencher vagas para a volta - o Tio ainda está em solitário nessa... Por que você não vem com ele?!



E vamos no pano mesmo!

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Quem tem medo do lobo mau?

Boas!

Quem tem medo do lobo mau? Acredito que nem mesmo minha filha Alice, de seis anos, tem. Mas do Velho Lobo do Mar... Ah, desse eu me pelo de medo!

Ano passado, se a memória não me falha, um desses velhos lobo do mar foi contratado para levar um veleiro de vinte e três pés do Rio de Janeiro para Ubatuba. A história está melhor contada no blog do Vivre, do Walnei Antunes. Em linhas gerais o sujeito era um capitão muito experiente, um velho lobo do mar, velejava desde espermatozoide e, contrariando a previsão de ventos fortes (contrários), ressaca e as súplicas para que esperasse dois ou três dias, saiu mesmo assim. A travessia durou poucas horas. O barco capotou antes mesmo de sair da Guanabara.

Como eu disse, me pelo de medo de velhos lobos do mar.

Nos dias 01, 02 e 03 de setembro deste ano gravamos um episódio do #SAL em Ubatuba, sob a batuta do Spinelli e a bordo do Soneca. O tema foi um curso de vela apenas para mulheres de velejadores. Foi nossa segunda experiência nesse sentido, ano passado fizemos um em parceria com a ABVC.

As meninas pegaram ventos de 35, quarenta nós, com a mestra na segunda da forra e storm. Estão apaixonadas pela vela. Isso mostra que com a orientação adequada, com um barco forte e bem preparado, qualquer um pode enfrentar condições adversas sem quebrar o barco, sem fazer água e, o mais importante, sem machucar ou traumatizar ninguém.

Um veleiro não deve ser um espanta família. Pelo contrário, ele é um local onde a família pode passar tempo de qualidade. E tempo em família hoje, é nossa maior riqueza.

Veleiros e agendas não combinam. 

Hoje em dia, só pega porrada quem quer. 

Os grandes navegadores que conheço, e conheço alguns,  antes de qualquer travessia se preparam, preparam o barco, estudam a previsão. 

O que aquele velho lobo do mar  fez é um lamentável exemplo daquilo que a vela não é. E um exemplo a não ser seguido, embora haja por ai alguns neófitos com complexo de inferioridade que querem provar algo para alguém, ou para si mesmos. O fato é que ninguém que tenha  zero preparo, esteja com um barco que  mal conhece ou inadequado, e que não tinha tripulação treinada, deve se lançar deliberadamente ao mau tempo. E quem tem preparo de verdade, espera a condição certa antes de ir de Santos para o Rio de Janeiro, ou "só até ali" (minha especialidade).

Peço perdão a quem não concorda, mas esse tipo de pessoa representa tudo aquilo que eu acredito que não deva ser feito no mar. 

Ganha-se experiência? Olha... Ser devorado por um leão também é experiência. E não faz disso ninguém melhor.  Ir para o mau tempo, mesmo que seja para aprender, significa que se fará uso das técnicas de velejar em mau tempo. Capear. Rizar. Correu com o tempo. 

A Cusco Baldoso já formou mais de duzentos velejadores. Há quase uma centena de barcos de alunos por ai. E nunca ninguém se traumatizou, machucou ou perdeu o amor pela vela ou o principal, o respeito pelo mar. 

Não se enganem, o velho marinheiro sabe que ele nunca venceu a tempestade, foi o mar que deixou ele passar.

E vamos no pano mesmo.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O dia que partimos para Abrolhos, mas chegamos em Búzios...

Boas!

Em agosto de 2014 eu, o Cassio Souza e o Mauro Pascotto fomos até Angra para participar de uma travessia até o Rio de Janeiro a bordo do Caulimaran, um Samoa 36 que há época pertencia ao Ulisses Schimels. Sairíamos no sábado pela manhã e estaríamos de volta a São Paulo no domingo, ainda na hora do almoço. Seria dia dos pais e não estar em casa era um convite ao (meu) homicídio. É claro que tudo que poderia dar errado, deu. O barco quebrou, não conseguimos ir para o Rio e para ajudar o horário do meu vôo para São Paulo foi cancelado. Cheguei em casa a tempo para jantar e em silêncio, pois nenhuma das três falou muito comigo. 

Antes de eu entrar no assunto desse tópico cabe aqui abrir um parênteses. No dia das mães o pai compra o presente, além daquele que a escola dá. Leva a mãe para almoçar. Paga a conta. Compra flores. Diz coisas bonitas. Já no dia dos pais o pai ganha a lembrancinha da escola, leva todo mundo para almoçar - e ele mesmo paga a conta. Até ai, a vida de pai é mesmo assim. Só serve para amar. Meu ponto é que ao contrário das mães, o tal do pai não tem lá muita liberdade em seu dia... tem que fazer o que agrada as mães e os filhos...Como diria a Alice, minha filha mais nova : "- Isso não é justo!".  Fecha o parênteses.

No último dia dos pais, 13 de agosto, desembarquei às 14h no aeroporto de Vitória. Mais uma travessia no dia dos pais, sem as filhas. Dessa vez fui um pouco mais esperto do que na vez anterior e comemorei levando as meninas e a mãe delas para almoçar no clube, um dia antes da data oficial e logo depois da festa de dia dos pais na escola. Não sei se resolveu muita coisa. De toda forma,  sábado, quando almoçamos, já era dia dos pais na Austrália.

Enfim. Assim que desembarquei entrei em um taxi e às 14h30 já estava no Iate Clube do Espirito Santo.  Meia hora depois o Pangeia, um Bruce Roberts de 44 pés, partia para Abrolhos sob o comando do Capitão Beto Fabiano, de Florianópolis. Eu estava de férias e iria apenas como tripulante, curtindo cada milha e sem ter trabalho algum.

Além de Beto e de mim estavam na tripulação a Cassia, de São Paulo (perto da Paulista, no " lado bem bom"), e o Felipe, que hoje mora em Vitória mas que já morou em tanta casa que nem se lembra mais, parafraseando a música da Legião.

A saída foi bastante empolgante. A Cassia no leme, o Beto fazendo a navegação e eu pensando se realmente daria para vencer as ondas que quebravam sobre os bancos de areia. Eu ainda não conhecia a timoneira, mas confesso que me surpreendi, pois ela levava muito bem o barco e em condições que não eram lá as mais tranquilas. Ajusta o rumo aqui, ajusta o rumo lá... as ondas de seus dois ou três metros quebravam, com força, sobre os bancos. Havia uma passagem ao sul (que só o Capitão via). Eu me segurei no mastro de mezena e me comportei como bom tripulante: fiquei quietinho e confiei. Contra todas as expectativas da tripulação o fato é que passamos pelos bancos sem levar nenhuma onda no convés! Incrível.

Aos poucos deixamos o porto e ganhamos o mar aberto, rumo aos Abrolhos. O vento soprava de nordeste. Contra o vento e  a corrente, o barco de quinze toneladas seguia a três nós, no motor. Vela grande içada. Desde os primeiros minutos ficou claro que seria uma travessia bem mais longa das que as quarenta horas inicialmente previstas. Pior do que isso, seria uma travessia no motor. Ainda assim  aquilo era melhor do que trabalhar.

A primeira baleia.


O Capitão, Beto Fabiano e Felipe.

Uma das várias estantes do Pangeia.
A primeira baleia que encontramos, ainda na área de ancoragem dos navios na barra de Vitória, confirmava isso. Foi a primeira vez que vi uma baleia jubarte tão de perto e confesso que foi um momento muito especial.

A noite veio e começaram os turnos. Eu, que não sou bobo nem nada, tratei de aproveitar a democracia e escolhi fazer o primeiro turno de uma hora. Molezinha: uma hora vigiando o piloto e o horizonte (em busca de navios, pesqueiros, plataformas ou qualquer coisa que nos colocasse em perigo) e três horas dormindo. O segundo no turno seria o Felipe, que logo percebeu que ser o segundo é o pior, pois quando se está começando a dormir, já se tem que levantar. Em terceiro era o Capitão e por último a Cassia.

O Beto merece nesse ponto meus parabéns, pois é muito difícil fazer com que os tripulantes cumpram os turnos de forma rígida. Eu mesmo já passei noites acordado porque o pessoal quer dormir como se em terra estivesse. Nessa travessia nosso Capitão conseguiu fazer isso de forma firme e, ao mesmo tempo, educada - uma de suas boas características. Foi a primeira vez que eu realmente dormi nos meus turnos (o  fato de a responsabilidade da navegação não ser minha ajudou muito nisso, é verdade). A qualidade da vida a bordo cresce exponencialmente quando isso acontece.

Comer bem é outro fator importante e o Capitão não nos deixou abandonados nesse quesito. Na primeira noite jantamos sopa, o que caiu muito bem - ainda que a Cassia, ao me entregar um saquinho com a sopa já "processada", para que eu jogasse fora da cabine, quase tenha posto a minha caneca a perder. Ah, essas intimidades da vida a bordo...

Quando o dia amanheceu estávamos ainda muito longe de Abrolhos, no través do Rio Doce (aquele que foi impunemente assassinado pela Sanmarco/Vale). Não se via terra, apenas o mar crescendo com o forte nordeste. Nossa média não passava muito dos três nós e deveria cair ainda mais, pois o vento contra tendia apenas a aumentar. A cada hora o tempo para mergulhos em Abrolhos diminuía.

Navegação à moda antiga.

Cassia e Felipe.

O vento não poderia estar mais "na cara".

Caroneiros.





O almoço foi servido às 14h. Macarrão com legumes. Estávamos todos no cockpit do Pangeia enquanto o capitão discorria sobre a confiabilidade do motor, que nunca o havia deixado na mão. Pois é. Bastou terminar de falar que o motor desligou, e de um jeito que parecia não pegar mais. Foi justamente o que aconteceu. Kaput.

Ficamos a deriva. Uma baleia nos visitou. Terminamos o almoço. A ida para abrolhos estava cancelada. Mais do que isso, a Refeno do  Pangeia, também. A questão passou a ser onde nós seríamos desembarcados? Para Vitória ninguém queria voltar, com aquelas ondas. Guarapari era a melhor opção.  Já o Capitão queria a proa direto para Santo Antonio Lisboa, em Florianópolis.

A verdade é que ainda era segunda-feira, e todos nós tínhamos a semana livre. Assim, seguimos para um meio termo: Búzios. Eu adorei. Não havia feito, ainda, o trecho Vitória / Búzios e, melhor do que isso, todo aquele vento que nos impedia de avançar, estaria totalmente a favor.

Em menos de uma hora o balão estava em cima. Laranja. Lindo. A vela mestra foi recolhida, pois lhe fazia sombra. A mezena também ficou recolhida. O barco ganhou vida. Deixamos de ser uma traineira e voltamos a ser um veleiro.






Nosso ponto mais ao norte foi a cidade de Linhares, logo acima do Rio Doce. Levamos, no motor, vinte e quatro horas para chegar ali, navegando cerca de sessenta milhas apenas. Pois apenas oito horas depois estávamos no ponto de partida, o porto de Vitória. A velocidade e o silêncio aumentaram o moral a bordo e em pouco tempo ninguém mais se lembrava de Abrolhos - até porque as baleias foram visitas frequentes, assim como as aves marinhas.

Sem sinal de celular. Sem internet. Era apenas nós quatro, Eric Clapton (Felipe, você é o cara!), as baleias e o horizonte. Asas de frango assadas, batatas cozidas e linguiças no forno. A vida em terra havia ficado lá, em terra.Que benção! O vento aumentava, e o Pangeia apenas descia as ondas com mais confiança. O espaço interno quase absurdo do barco e a distribuição das cabines em três níveis ajudam muito no conforto a bordo. Podemos deitar, andar, esticar as penas, comer bem, enfim, de fato viver a bordo. No pano mesmo.









Balonamos da tarde de segunda até a manhã de quarta, já no través de Macaé. Assim que o dia amanheceu, na quarta, fizemos o jaibe do balão, para iniciar a aterragem. Porém, nuvens vindo de terra davam conta que o vento aumentaria ainda mais. Balão recolhido, foi a vez de velejar com genoa, mestra no primeiro rizo e a mezena, enquanto mais uma baleia jubarte cortava a proa.








Avistamos as luzes de Búzios pouco antes do sol se por, quase às 18h. Foi ai que o vento... pluft! morreu. Calmaria. Para percorrer as últimas quatro milhas, levamos cinco horas. Tempo suficiente para que cada um contasse detalhes do funcionamento de seu sistema gastrointestinal. Eu fiquei com a nítida impressão que a Cassia, ao invés de dentista, queria ser gastroenterologista... #ficaadica!

As 23h11 a âncora foi baixada e o Pangeia, enfim, chegou. Tudo em ordem, todos bem.

Búzios.

Advinha que veio para o café?
Quero agradecer de público e em primeiro lugar, ao Beto Fabiano. Em tempos onde um monte de gente sem conteúdo produz material midiático vasto como um oceano, mas com a profundidade de um pires, é realmente muito gratificante encontrar gente realmente do mar, como ele, que faz coisas impressionantes, sem nem se dar conta disso e sem deixar de ter cuidado com o outro.

Agradeço também aos meus companheiros de travessia, Cassia e Felipe. Sou uma pessoa melhor depois de ter conhecidos vocês.

E por fim ao pessoal do grupo Terapia, que mesmo impressionados com minha passagem pela cidade de Pau Grande, produziram um rico material literário sobre essa travessia, apenas acompanhando o Spot.

E vamos no pano mesmo!