segunda-feira, 21 de agosto de 2017

O dia que partimos para Abrolhos, mas chegamos em Búzios...

Boas!

Em agosto de 2014 eu, o Cassio Souza e o Mauro Pascotto fomos até Angra para participar de uma travessia até o Rio de Janeiro a bordo do Caulimaran, um Samoa 36 que há época pertencia ao Ulisses Schimels. Sairíamos no sábado pela manhã e estaríamos de volta a São Paulo no domingo, ainda na hora do almoço. Seria dia dos pais e não estar em casa era um convite ao (meu) homicídio. É claro que tudo que poderia dar errado, deu. O barco quebrou, não conseguimos ir para o Rio e para ajudar o horário do meu vôo para São Paulo foi cancelado. Cheguei em casa a tempo para jantar e em silêncio, pois nenhuma das três falou muito comigo. 

Antes de eu entrar no assunto desse tópico cabe aqui abrir um parênteses. No dia das mães o pai compra o presente, além daquele que a escola dá. Leva a mãe para almoçar. Paga a conta. Compra flores. Diz coisas bonitas. Já no dia dos pais o pai ganha a lembrancinha da escola, leva todo mundo para almoçar - e ele mesmo paga a conta. Até ai, a vida de pai é mesmo assim. Só serve para amar. Meu ponto é que ao contrário das mães, o tal do pai não tem lá muita liberdade em seu dia... tem que fazer o que agrada as mães e os filhos...Como diria a Alice, minha filha mais nova : "- Isso não é justo!".  Fecha o parênteses.

No último dia dos pais, 13 de agosto, desembarquei às 14h no aeroporto de Vitória. Mais uma travessia no dia dos pais, sem as filhas. Dessa vez fui um pouco mais esperto do que na vez anterior e comemorei levando as meninas e a mãe delas para almoçar no clube, um dia antes da data oficial e logo depois da festa de dia dos pais na escola. Não sei se resolveu muita coisa. De toda forma,  sábado, quando almoçamos, já era dia dos pais na Austrália.

Enfim. Assim que desembarquei entrei em um taxi e às 14h30 já estava no Iate Clube do Espirito Santo.  Meia hora depois o Pangeia, um Bruce Roberts de 44 pés, partia para Abrolhos sob o comando do Capitão Beto Fabiano, de Florianópolis. Eu estava de férias e iria apenas como tripulante, curtindo cada milha e sem ter trabalho algum.

Além de Beto e de mim estavam na tripulação a Cassia, de São Paulo (perto da Paulista, no " lado bem bom"), e o Felipe, que hoje mora em Vitória mas que já morou em tanta casa que nem se lembra mais, parafraseando a música da Legião.

A saída foi bastante empolgante. A Cassia no leme, o Beto fazendo a navegação e eu pensando se realmente daria para vencer as ondas que quebravam sobre os bancos de areia. Eu ainda não conhecia a timoneira, mas confesso que me surpreendi, pois ela levava muito bem o barco e em condições que não eram lá as mais tranquilas. Ajusta o rumo aqui, ajusta o rumo lá... as ondas de seus dois ou três metros quebravam, com força, sobre os bancos. Havia uma passagem ao sul (que só o Capitão via). Eu me segurei no mastro de mezena e me comportei como bom tripulante: fiquei quietinho e confiei. Contra todas as expectativas da tripulação o fato é que passamos pelos bancos sem levar nenhuma onda no convés! Incrível.

Aos poucos deixamos o porto e ganhamos o mar aberto, rumo aos Abrolhos. O vento soprava de nordeste. Contra o vento e  a corrente, o barco de quinze toneladas seguia a três nós, no motor. Vela grande içada. Desde os primeiros minutos ficou claro que seria uma travessia bem mais longa das que as quarenta horas inicialmente previstas. Pior do que isso, seria uma travessia no motor. Ainda assim  aquilo era melhor do que trabalhar.

A primeira baleia.


O Capitão, Beto Fabiano e Felipe.

Uma das várias estantes do Pangeia.
A primeira baleia que encontramos, ainda na área de ancoragem dos navios na barra de Vitória, confirmava isso. Foi a primeira vez que vi uma baleia jubarte tão de perto e confesso que foi um momento muito especial.

A noite veio e começaram os turnos. Eu, que não sou bobo nem nada, tratei de aproveitar a democracia e escolhi fazer o primeiro turno de uma hora. Molezinha: uma hora vigiando o piloto e o horizonte (em busca de navios, pesqueiros, plataformas ou qualquer coisa que nos colocasse em perigo) e três horas dormindo. O segundo no turno seria o Felipe, que logo percebeu que ser o segundo é o pior, pois quando se está começando a dormir, já se tem que levantar. Em terceiro era o Capitão e por último a Cassia.

O Beto merece nesse ponto meus parabéns, pois é muito difícil fazer com que os tripulantes cumpram os turnos de forma rígida. Eu mesmo já passei noites acordado porque o pessoal quer dormir como se em terra estivesse. Nessa travessia nosso Capitão conseguiu fazer isso de forma firme e, ao mesmo tempo, educada - uma de suas boas características. Foi a primeira vez que eu realmente dormi nos meus turnos (o  fato de a responsabilidade da navegação não ser minha ajudou muito nisso, é verdade). A qualidade da vida a bordo cresce exponencialmente quando isso acontece.

Comer bem é outro fator importante e o Capitão não nos deixou abandonados nesse quesito. Na primeira noite jantamos sopa, o que caiu muito bem - ainda que a Cassia, ao me entregar um saquinho com a sopa já "processada", para que eu jogasse fora da cabine, quase tenha posto a minha caneca a perder. Ah, essas intimidades da vida a bordo...

Quando o dia amanheceu estávamos ainda muito longe de Abrolhos, no través do Rio Doce (aquele que foi impunemente assassinado pela Sanmarco/Vale). Não se via terra, apenas o mar crescendo com o forte nordeste. Nossa média não passava muito dos três nós e deveria cair ainda mais, pois o vento contra tendia apenas a aumentar. A cada hora o tempo para mergulhos em Abrolhos diminuía.

Navegação à moda antiga.

Cassia e Felipe.

O vento não poderia estar mais "na cara".

Caroneiros.





O almoço foi servido às 14h. Macarrão com legumes. Estávamos todos no cockpit do Pangeia enquanto o capitão discorria sobre a confiabilidade do motor, que nunca o havia deixado na mão. Pois é. Bastou terminar de falar que o motor desligou, e de um jeito que parecia não pegar mais. Foi justamente o que aconteceu. Kaput.

Ficamos a deriva. Uma baleia nos visitou. Terminamos o almoço. A ida para abrolhos estava cancelada. Mais do que isso, a Refeno do  Pangeia, também. A questão passou a ser onde nós seríamos desembarcados? Para Vitória ninguém queria voltar, com aquelas ondas. Guarapari era a melhor opção.  Já o Capitão queria a proa direto para Santo Antonio Lisboa, em Florianópolis.

A verdade é que ainda era segunda-feira, e todos nós tínhamos a semana livre. Assim, seguimos para um meio termo: Búzios. Eu adorei. Não havia feito, ainda, o trecho Vitória / Búzios e, melhor do que isso, todo aquele vento que nos impedia de avançar, estaria totalmente a favor.

Em menos de uma hora o balão estava em cima. Laranja. Lindo. A vela mestra foi recolhida, pois lhe fazia sombra. A mezena também ficou recolhida. O barco ganhou vida. Deixamos de ser uma traineira e voltamos a ser um veleiro.






Nosso ponto mais ao norte foi a cidade de Linhares, logo acima do Rio Doce. Levamos, no motor, vinte e quatro horas para chegar ali, navegando cerca de sessenta milhas apenas. Pois apenas oito horas depois estávamos no ponto de partida, o porto de Vitória. A velocidade e o silêncio aumentaram o moral a bordo e em pouco tempo ninguém mais se lembrava de Abrolhos - até porque as baleias foram visitas frequentes, assim como as aves marinhas.

Sem sinal de celular. Sem internet. Era apenas nós quatro, Eric Clapton (Felipe, você é o cara!), as baleias e o horizonte. Asas de frango assadas, batatas cozidas e linguiças no forno. A vida em terra havia ficado lá, em terra.Que benção! O vento aumentava, e o Pangeia apenas descia as ondas com mais confiança. O espaço interno quase absurdo do barco e a distribuição das cabines em três níveis ajudam muito no conforto a bordo. Podemos deitar, andar, esticar as penas, comer bem, enfim, de fato viver a bordo. No pano mesmo.









Balonamos da tarde de segunda até a manhã de quarta, já no través de Macaé. Assim que o dia amanheceu, na quarta, fizemos o jaibe do balão, para iniciar a aterragem. Porém, nuvens vindo de terra davam conta que o vento aumentaria ainda mais. Balão recolhido, foi a vez de velejar com genoa, mestra no primeiro rizo e a mezena, enquanto mais uma baleia jubarte cortava a proa.








Avistamos as luzes de Búzios pouco antes do sol se por, quase às 18h. Foi ai que o vento... pluft! morreu. Calmaria. Para percorrer as últimas quatro milhas, levamos cinco horas. Tempo suficiente para que cada um contasse detalhes do funcionamento de seu sistema gastrointestinal. Eu fiquei com a nítida impressão que a Cassia, ao invés de dentista, queria ser gastroenterologista... #ficaadica!

As 23h11 a âncora foi baixada e o Pangeia, enfim, chegou. Tudo em ordem, todos bem.

Búzios.

Advinha que veio para o café?
Quero agradecer de público e em primeiro lugar, ao Beto Fabiano. Em tempos onde um monte de gente sem conteúdo produz material midiático vasto como um oceano, mas com a profundidade de um pires, é realmente muito gratificante encontrar gente realmente do mar, como ele, que faz coisas impressionantes, sem nem se dar conta disso e sem deixar de ter cuidado com o outro.

Agradeço também aos meus companheiros de travessia, Cassia e Felipe. Sou uma pessoa melhor depois de ter conhecidos vocês.

E por fim ao pessoal do grupo Terapia, que mesmo impressionados com minha passagem pela cidade de Pau Grande, produziram um rico material literário sobre essa travessia, apenas acompanhando o Spot.

E vamos no pano mesmo!



2 comentários:

  1. Legal sua leitura da aventura. No parágrafo 19 você relatou Maricá no traves. Não seria Macaé? Bons ventos

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