segunda-feira, 20 de julho de 2015

Breves apontamentos de navegação para velejadores - parte dois.

A menor distância entre dois pontos será sempre uma reta, certo?

Para o velejador esse conceito, verdadeiro, nem sempre pode ser seguido ao pé da letra e isso precisa ser compreendido desde o princípio. Que fique claro desde já: na superfície da terra é impossível navegar reto e, a bordo de um veleiro, nem sempre se consegue um rumo direto para onde se deseja ir. 

Quando dissemos que na superfície da Terra é simplesmente impossível deslocar-se em linha reta parece haver um contrassenso, mas não há:  mesmo que deixemos Fernando de Noronha com destino a Cabo Verde fazendo um rumo na superfície do mar o mais direto possível, o mais "reto" possível, sem nenhuma variação de grau, não estaríamos navegando em linha reta. O motivo é simples: a terra é redonda e estaríamos, assim, navegando ao longo de um arco. 

É que ao seguir pelo relevo terrestre invariavelmente acompanharíamos a curvatura da Terra, de forma que mesmo um rumo aparentemente reto, não o será verdadeiramente uma reta como aquela definida na geometria.

E a complicação não termina ai.

Se um viajante sair de um ponto na Linha da Equador e mantiver um rumo constante por um tempo suficiente ao longo dessa linha imaginária acabará chegando no ponto de partida. Se fizer o mesmo ao longo de algum meridiano, também. Isso porque  o Equador faz um círculo máximo perfeito e  os meridianos fazem um semi-círculo máximo perfeito, mantendo a trajetória da curva constante ao longo de toda a linha.



Essas curvas ao longo da esfera terrestre (curvas aparentemente retas para quem as percorre na superfície) são chamadas curvas loxodrômicas. Nelas  o trajeto percorrido na superfície equivale a um ARCO. No Equador  e nos Meridianos temos curvas loxodrômicas de ângulo nulo.

Ao assumirmos a mesma postura - navegar pelo arco mantendo um rumo constante - fora do Equador ou de algum dos meridianos um fenômeno interessante acontece: a trajetória tende a espiralar e seguir para os polos.

Isso significa dizer que haverá um desvio tão grande quanto for o percurso a ser percorrido. O viajante, então, se não  corrigir o rumo, não chegará ao mesmo ponto de partida, por maior que seja o tempo da jornada. Saindo das proximidades do Equador e mantendo o rumo 060º com o meridiano seguinte e mantendo esse rumo o navegante irá terminar sua viagem no polo.



O matemático Pedro Nunes, na época dos descobrimentos, percebeu esse fenômeno que traz uma consequência interessante: para se navegar, na superfície da Terra percorrendo a menor distância entre dois pontos, é preciso alterar o ângulo da rota entre cada meridiano.

Diante de tudo o que foi colocado  temos elementos para dizer que na superfície da Terra a menor distância a ser percorrida entre um ponto A e B será equivalente, sempre, a um arco de um círculo máximo que passa por esses pontos A e B.

Essa curva denomina-se curva ortodrômica. Na prática, porém, é inviável segui-la, pois não se pode alterar o rumo a cada instante.

A solução para esse dilema vem com a projeção Mercator e é por isso que em navegação ela é a mais usada. É que nessa projeção a curva loxodrômica (aquela, onde o rumo é constante) entre dois pontos pode ser representada através de uma linha reta, pois ela permite que os ângulos da derrota entre cada meridiano permaneça inalterado e que esse ângulo coincida com o rumo.

Por essa razão é essa a projeção utilizada nas cartas náuticas.

Os pontos em amarelo podem ser alcançados mantendo-se um mesmo ângulo entre os meridianos (rumo constante) ou com alterações no rumo. Mantendo-se o rumo teremos uma curva loxodrômica angulada, que nos fará percorrer uma trajetória maior do que se o rumo for corrigido - caminho em azul, menor.

Podemos pensar que esse é um problema que atinge apenas quem irá fazer grandes navegações. É verdade: as distorções da curvatura da Terra e os efeitos das curvas loxodrômicas produzem mais reflexos nas longas distâncias.

Mas nem por isso o "ir reto" entrará mais fácil na vida do velejador, mesmo naquele que vai "só até ali".

Ao longo de minhas aulas de vela noto que os alunos têm uma certa dificuldade em aceitar que estamos indo para frente, mas "olhando" um pouquinho para o lado. Explicarei melhor. Para sair do ponto A e chegar ao ponto B quando o vento está contra (orça), não adianta colocar a proa direto para o ponto a que se quer chegar, pois na "zona morta" o barco não navega. É preciso colocar o veleiro em um ângulo tal que ele receba o vento pelas velas e crie a força de sustentação necessária para avançar. Esse ângulo convencionou-se fixar em 45º de vento real ou 30º de vento aparente. Fiquemos com esses valores por agora.



Isso quer dizer que se você está na praia e deseja sair da baía em um dia de vento sul, em Santos, terá que fazer o barco avançar na direção de São Vicente, depois fazer um bordo e colocá-lo na direção de Guarujá e assim sucessivamente, avançando aos poucos, até sair da baía. Irá para frente, mas olhando um pouquinho para os lados. Eis ai a dificuldade, pois tendemos a buscar o deslocamento direto, em linha reta.

Mas o que tem isso a ver com o assunto que estamos abordando?

É que em navegação tendemos a fazer marcas de destino  (waypoints) que se unem em linha reta. Porém, à vela, poderá ser muito difícil seguir essas marcas ao pé da letra, navegando "reto", em especial em um contravento. Traçar derrotas em cartas náuticas e segui-la, à vela, pode ser especialmente complicado.

Velejar é mesmo algo divino, já que Deus escreve certo, por linhas tortas...

Já já falaremos mais sobre esse assunto.

E vamos no pano mesmo!

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