Boas!
Pois é, o Fraldinha foi meu primeiro barco e eu me fiz ao mar a bordo de seu trampolim depois de apenas uma aulinha de vela!
Tudo errado. Tudo completamente errado!
Primeiro porque eu comprei um HC 14 - barquinho completamente diferente do Magnum 422. o HC 14 é muito mais veloz, muito arisco, não perdoa erros e como eu descobriria mais tarde, é complicado de orçar. Não é um barco ruim - aliás, muito pelo contrário! - mas não é um barco simples para que um iniciante com meio par de horas de vela, se faça sozinho ao mar...
Segundo porque eu nem sabia montar o barco! Não fosse a ajuda de alguns velejadores do CIR e eu estaria lá, até hoje, tentando entender o esquema dos moitões da escota da vela mestra.
Terceiro porque eu não tinha a menor noção do comportamento do barco e no dia de minha estreia ventava muito além de minha capacidade técnica.
O vento vinha de Leste, com cerca de dez nós - o mar estava cheio de carneirinhos. O barquinho entrou numa empopada louca e eu fingi que sabia o que estava fazendo, mantendo um rumo mais ou menos reto em direção a Ilha Porchat. Logo a diferença de velocidade se fez evidente. Caramba, no que eu havia me metido! Como aquele barco andava rápido!
A baía de Santos, que não é muito grande, logo foi acabando. Na proa apenas a Ilha Porchat ou o paredão da Ponta do Itaiupu (Xixová/Japuí).Eu imaginava (porque dizer que sabia seria exagero, já que saber mesmo eu não sabia era nada!) que dar um 'jibe' seria complicado. Era o que estava no Velejando dos 8 os 80, minha leitura mais profunda até então.Logo, teria que dar um bordo.
A vela estava armada para boreste, cheia e bem aberta. Respirei fundo e trouxe a extensão da cana de leme com toda a força para bombordo. Rapidamente a proa começou a procurar a linha do vento e então o barco foi indo para bombordo, foi indo, indo e... parou! A vela panejava para um lado e para o outro com alguma violência e nada do barco completar a monobra. Pior, ele não retornava para a mareação anterior (uma das características dos multicascos). Fiquei ali, sendo jogado para o paredão, pensando no que fazer.
"As marolas impedem ele de orçar" - filosofei, diante de marolas de vento de no máximo vinte e cinco centímetros de altura... Olhei para o remo; olhei para a entrada da barra. Seria uma remada e tanto, ainda mais contra o vento. Saudades do meu caiaquinho!
A necessidade é a mãe da invenção, não é? E se eu der uma caçadinha bem grande nesse cabinho aqui (nota: esse tal cabinho era o traveller, que estava todo aberto e eu nem imaginava o que era um traveller e muito menos que em multicascos ele tem uma função muito mais séria do que em monocascos). Uau! Foi apenas fazer isso e o barco ganhou vida. Entrou em um través muito louco e depois, na orça. Eu estava voltando para casa. Já era tempo: eu não havia levado água e a sede, debaixo daquele sol alucinante, me consumia. Foi ai que eu descobri que o que se leva quinze minutos para fazer em vento folgado, faz-se na orça - na volta - em muuuuuuito mais tempo.
Fiquei pendurado nos estais (ou seja, errei o tempo do bordo e fiquei aproado ao vento) algumas outras vezes, mas depois de uma surrinha e outra (e de descobrir que se desse marcha a ré - vela mestra contra o vento e leme ao contrário - o bicho entrava de novo no vento) retornei para a marina sozinho: sem reboque, seco e vivo.
Minha relação com o Fraldinha foi de amor e ódio. Passei um ano velejando simplesmente todo sábado e domingo, não importava o tempo. Bumbum no trampolim! Peguei mar liso e mar grosso; céu azul e o breu total; ventania e calmaria. Tive quebras sensacionais (duas vezes fiquei sem mastro, uma sem leme e um dos cascos chegou a ficar completamente cheio de água - o estado de conservação dele era crítico, lembram?). Ele me ensinou a velejar e a laminar. Com ele aprendi o que era um rebite e uma rebitadeira e o que acontece quando não se sabe usar direito uma rebitadeira. Aprendi a pintar e o que acontece quando se pinta sem preparar bem, antes, a superfície...
O Fraldinha foi meu professor de vela. Um professor autodidata e sem método, para uma anta de aluno também autodidata. A coisa foi na base dos socos e ponta pés! Eu o odiava na maioria das vezes. Mas era apenas ele me levar para uma velejada sem maiores perrengues que esse ódio virava amor. Hoje sei que com veleiros a coisa é invariavelmente assim.
Um ano depois eu anunciei o Fraldinha por R$ 1.500,00. Vendi em uma semana, em um sábado de dezembro, para um rapaz de Praia Grande. Meu amigo foi embora e eu fiquei aliviado. "O HC 14 é um barco que não presta", dizia para mim mesmo, tentando afastar a realidade mais óbvia: quem era medíocre era eu, não o barco!
Uma semana depois encontrei um Laser abandonado em uma marina. Comprei por R$ 450,00. Era o Catatau. Depois dele vieram tantos barcos que eu nem sei bem ao exato contar. Alguns eu comprei e sequer usei, como os Hobie 3.9 Filhote e o Number One. Com outros eu tive uma relação bastante próxima, como o Catatau, o Branca (um Dingue), o Cherokee (meu segundo Hc 14 e que foi até hoje o barco mais divertido que eu já tive!) e o Brisa, o Daysailer que deu origem a esse blog, lá em maio de 2009.
Meu começo foi tumultuado e eu poderia ter economizado muitos sustos se tivesse apenas aguentado uns gritinhos do meu professor. Mas gritos, no meu barco, não têm lugar. Foi assim quando eu era aluno, é assim hoje.
A vela, como muitos outros campos do conhecimento, se ressente da inexistência de professores que tenham um método concreto para a transmissão do saber. Na vela em particular isso é um pouco pior pois é um saber empírico. Não basta caçar um cabo ali, guinar para ali: é preciso ensinar a sentir o mundo a volta - o vento, o mar, os animais, as plantas, as rochas... é como ensinar a beijar na boca: não pode ser à força!
E vamos no pano mesmo!