terça-feira, 27 de agosto de 2013

Teoria básica de navegação estimada - primeira parte

1. Conversões de rumos


Todo e qualquer deslocamento da embarcação se dá para uma determinada direção, possível de ser conhecida em um dado instante. Por mais errático e irregular que seja o movimento a cada segundo, a cada milésimo de segundo, a PROA estará apontando para uma determinada posição. Sempre.

A partir da adoção de um REFERENCIAL e uma vez conhecida a orientação do movimento (e, como veremos, sua velocidade) é possível estimar, com razoável precisão, ONDE a embarcação ESTARÁ em um determinado instante FUTURO ou saber onde ela ESTEVE e que percurso PERCORREU.

O instrumento mais antigo para a determinação do rumo de uma embarcação é a AGULHA MAGNÉTICA, também conhecida como bússola. Em síntese singela a agulha magnética é um dispositivo metálico, com carga eletromagnética, suspenso ou imerso em líquido (e, portanto, flutuando) e protegido por uma cúpula, tende a apontar uma de suas pontas sempre para um mesmo ponto do globo terrestre. Esse ponto, por sua vez, coincide com o pólo norte magnético do planeta Terra e fornece, assim, um referencial fixo e preciso, que pode indicar  qual a orientação da proa em um determinado instante. Por ser uniforme em uma mesma região do globo mais de uma embarção pode, em um mesmo instante, seguir a mesma orientação base.

“O rumo é sempre contado do norte de referência até a proa da embarcação de 0º a 360º, no sentido dos ponteiros de um relógio”,  nos ensina Geraldo Barros em seu Navegar é Fácil.

A indicação da agulha, porém, pode fornecer não apenas UM rumo, mas pelo menos outros DOIS, mediante uma simples operação matemática.

Explica-se.

O primeiro rumo que a agulha nos dá é aquele que tem como referência imediata o pólo magnético terrestre. Será, assim o RUMO MAGNÉTICO, equivalente a distância em graus de círculo entre o pólo norte magnético e a proa da embarcação.



Contudo, o pólo norte magnético não coincide sempre (na verdade, quase nunca ao longo de milhões de anos) com o PÓLO NORTE GEOGRÁFICO e cabe desde logo registrar que quando a embarcação se orienta em relação ao pólo norte verdadeiro, estará seguindo um RUMO VERDADEIRO.




Pois bem. Esses dois pólos não estão no mesmo local e, assim, o fato de a agulha apontar diretamente para um não significa que estará apontando, no mesmo instante, para o outro.

O nome que se dá a essa diferença entre o alinhamento dos pólos magnético e geográfico é DECLINAÇÃO MAGNÉTICA, que varia em cada local da terra.

O valor da DECLINAÇÃO MAGNÉTICA de um local é informado em todas as CARTAS NÁUTICAS, dentro da ROSA DOS VENTOS – que nada mais é senão a representação gráfica de todos os rumos possíveis de 0º a 360º (cabendo observar que em uma mesma rosa dos ventos trazida nas cartas náuticas haverá a representação do norte verdadeiro e de seus rumos e do norte magnético e de seus rumos, tendo essas duas circunferências o mesmo diâmetro e os raios iniciando em um mesmo ponto, o que é um jeito complicado de dizer que estarão uma dentro da outra!).

A Carta n. 1711 – Proximidades do Porto de Santos, por exemplo, informa na rosa dos ventos que a declinação magnética da região é 18º50´W em 1995, com aumento anual de 8´ W.

Isso significa que se uma bússola apontar para o norte magnético – 360º - em um determinado instante, o rumo verdadeiro não será 360º?

Sim.

Mas qual, então, será o rumo verdadeiro nesse mesmo instante?

A rosa dos ventos nos diz que o valor da declinação magnética é 18º50’, ou seja,  a agulha tem um desvio para W (para a esquerda) de 18º 50’. Esse desvio é arredondando para o inteiro mais próximo e passa  a ser 19º W. Logo:

360º
 19º –
____
341º

Ou seja, se fossemos nos guiar pelo  RUMO MAGNÉTICO para seguir para o norte verdadiro - 360º -, bastaria seguir o rumo 341º, certo?

Sim, mas apenas se estivermos em 1995!

A declinação magnética sofre um aumento anual, que também é informado na rosa dos ventos. No caso do exemplo acima, ela nos disse que a cada ano a declinação aumenta 8’ para leste. Por conseguinte, se estamos em 2013, o valor da declinação será:

2013 – 1995 = 18
08 x 18’ = 144’ = 02º24’00’’, que arredondado para o inteiro mais próximo é 2º.

Logo, como o aumento também é para W e a declinação também é para W somamos o aumento e obtemos:

19ºW + 02ºW = 21° W

Em 2013, assim, o rumo verdadeiro que será coincidente com o rumo magnético 360º será:

360º
  21º –
______
339º

Observem que o rumo será o mesmo, o que irá mudar será o referencial. A proa estará apontando para uma mesma direção quando o rumo magnético for 360º e o rumo verdadeiro for 339º nas proximidades do porto de Santos no ano 2013!

Porém, é verdade que nessa mesma situação pode ocorrer de olharmos para o rumo do GPS, setado para o norte verdadeiro 360º e ao invés de a agulha apontar 338º  registrar 345º, por exemplo.

A explicação para isso é que na estrutura de uma embarcação existem vários metais que causam distorções isoladas (ou seja, restritas ao local da embarcação) no campo magnético terrestre. Esse desvio local e adicional é denominado DESVIO DE AGULHA.


Esse desvio é próprio de cada embarcação e constará de uma TABELA DE DESVIOS DE AGULHA que cada embarcação deverá ter, preparada com antecedência. Cabe pontuar que ao contrário da declinação magnética o desvio de agulha não seguirá, muito provavelmente, um padrão uniforme, sendo que muito provavelmente para cada rumo haverá um valor específico, seja ele neutro, para W ou para E.

Portanto, em um mesmo instante será possível determinar qual o rumo magnético, verdadeiro e de agulha de uma determinada embarcação e estabelecer relações entre eles.

Imagem: www.rumomagnetico.com
Assim se em uma embarcação nas proximidades do Porto de Santos em 2011 o rumo  magnético for 360º, o rumo verdadeiro dependerá da correção não apenas da declinação, mas também do desvio de agulha.

Assim, primeiro iremos fazer a conversão do rumo magnético para verdadeiro, da forma já demonstrada:

360º
  21º  –
___________
339º

Então, iremos consultar na tabela de desvio da agulha qual a correção a ser aplicada para o rumo 339º. Imaginando que o valor encontrado seja 2º E (soma-se), o resultado final será:

339º
002º  +
____
341º

De plano imaginamos que deve ter ficado pouco claro o motivo de quando o desvio é a W a operação é de diminuição e quando ele é a E, fazemos a adição. Cabe explicar melhor.

Quando a conversão é de rumo MAGNÉTICO para rumo VERDADEIRO, todo o desvio que estiver a W é diminuído do valor base e todo desvio a E será somado; quando a conversão é de rumo MAGNÉTICO para rumo VERDADEIRO, todo o desvio que estiver a W é somado valor base e todo desvio a E será diminuído.

 Para não se esquecer, siga a onda:

                                                  (-)   ------     (+)
                                                       W A V E
                                                  (+)  ------      (-)

Ou seja, de verdadeiro (V) para de magnético/agulha (A), o desvio a W é subtraído e o desvio a E, somado; de magnético/agulha (A) para de verdadeiro (V), o desvio a E é subtraído e o desvio a W, somado.

ATENÇÃO! TODAS AS CARTAS NÁUTICAS ADOTAM COMO REFERÊNCIA O NORTE GEOGRÁFICO! POR ISSO, TODO RUMO PLOTADO – MARCADO – EM UMA CARTA NÁUTICA NÃO DEVE SER SEGUIDO PELA BÚSSOLA SEM QUE TENHA SIDO FEITA A NECESSÁRIA CONVERSÃO E  VICE VERSA!


Sabendo disso, e se quiser testar suas habilidades, resolva os seguintes exercícios:

  1. Um veleiro acabou de deixar a barra do canal de Bertioga (Carta 1711). Seu comandante deseja motorar até a Ilha Montão de Trigo. Na carta verifica que a partir da pedra do corvo a Ilha pode ser alcançada diretamente a partir do rumo verdadeiro 90º. Sabendo que a declinação magnética do local é, em 2013, igual a 22ºW e que o desvio de agulha é desprezível, determine qual o rumo magnético a ser seguido.

  1. No exemplo acima, qual o rumo verdadeiro para o retorno à Pedra do Corvo a partir da Ilha Montão de Trigo? E qual o rumo magnético, sabendo que o desvio de agulha é desprezível?

  1. Um veleiro está em travessia entre Ubatuba e Guarujá. Na perna Ilha do Mar Virado – Ponta das Canas, o Comandante mantém o rumo pelo GPS. O referencial é o pólo norte geográfico e o DATUM é o WGS 84. No través da Ilha do Tamanduá o GPS desliga por falta de pilhas, sendo que não existem outras para reposição a bordo. O rumo seguido no momento em que o aparelho desligou era o 270º. Sabendo que a agulha desvia 2º para E entre os rumos 0º e 180º e 3º para W entre os rumos 180º e 360º, qual o rumo magnético a ser seguido para que a travessia até a ponta das canas seja completada?

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E vamos no pano mesmo!

domingo, 25 de agosto de 2013

Impressões sobre o curso de navegação estimada...

Boas!

Esse final de semana (24/25) fizemos um curso de navegação estimada a bordo do Malagô.  O objetivo era simular algo que já aconteceu comigo mais de uma vez: ficar sem baterias ao largo da costa e "fazer" a navegação utilizando carta de papel, alidade, compasso e régua de paralelas. Em outro post, técnico, falarei um pouco sobre isso. Por agora gostaria apenas de relatar como foi nossa experiência e o que aprendemos. Ainda não digeri tudo o que aconteceu. Sei que cometi alguns erros, mas ainda não entendi todo o processo. Preciso de um pouco mais de tempo, ou de um segundo curso dessa natureza.

Vamos aos fatos.

Na tripulação os alunos Aruã Covo, Celso Antunes, Tiago Bittar e Thiago Bauermann. Com exceção do primeiro, que é café com leite (um dos primeiros alunos, ele já velejou comigo outras vezes, mas no Cusco Baldoso), todos eram habilitados. Celso é capitão e os demais mestres amadores. O Thiago Bauermann, a propósito, vive a bordo de seu veleiro no Saco da Ribeira, o "Obstinado".

Da esquerda para a direita: Aruá, Celso, Thiago e Tiago.

Nosso destino era a baía de Santos, distante vinte e cinco milhas náuticas. Pernoitaríamos no CING e retornaríamos no dia seguinte. Às 9h00 da manhã do dia 24 pusemos as cartas na mesa - as carta náuticas! - e começamos a estudar. Primeiro relembrando os fundamentos de navegação costeira e estimada: conversões de rumos de agulha para verdadeiro e vice versa; desvio de agulha; marcações magnéticas e marcações polares. Depois estudamos a carta 1711 procurando identificar perigos à navegação e traçamos nossa derrota base. Como velejando nem sempre se consegue ir em linha reta para um determinado ponto - mesmo que seja um waypoint -, traçamos uma distância de segurança que formou um perímetro em torno da Ilha de Santa Amaro (Guarujá). Ao mesmo tempo, teríamos pontos que orientavam as mudanças de rumo:  S,  SW, W e, ao final, N. Estudamos as previsões de tempo - que estavam conflitantes e incertas  (que vergonha, hein windguru?) e definimos uma estratégia para a travessia. Só faltava, então, combinar com os russos...

Soltamos da poita às 10h24. Maré vazando, muito forte - além do normal eu diria, porém é agosto e é assim que ela se comporta, em especial durante a lua cheia - e era lua cheia! Motoramos até a pedra do corvo, onde às 11h00 deixamos a navegação por rumos práticos e adotamos a estimada.

Para que o excercício fosse verdadeiro, coloquei a capa de proteção no GPS: ele registraria tudo, tal qual uma caixa preta, mas na prática estávamos por nossa própria conta, com um "dedo duro" nos "olhando"!

Ao escolher o plano vélico cometi o primeiro erro grave: impressionado com a presença de um SW, quando a previsão era de E, escolhi uma buja de trabalho ao invés da genoa. Imaginei que pegaríamos ventos muito fortes lá fora e queria o barco mais equilibrado. Fui muito conservador e pagaríamos o preço disso. Ainda no canal cometi o segundo erro grave: com receio desse "ventão", deixei para subir a mestra apenas quando já estivessemos em mar aberto. Temia que na barra estreita alguma rajada nos desse mais trabalho. Claro que sempre existe um terceiro erro grave: não considerei a previsão de mar alto, com ondas entre 2 e 3 metros.

Ao sairmos do canal me animei com a barra tranquila - pudera, pois a ondulação, com período de 14 segundos - era de S. Na barra do canal as ondas só crescem com ondulação de SE e E. Mas alegria de pobre dura pouco. E de quem tem receio demais, também. Ao sairmos da barra o mar mostrou seu tamanho. Bonito de ver! Grandes marolas, bem mais altas que a borda livre do Malagô. Quem estava no leme parava de falar e arregalava os olhos!!!

Tentei subir a mestra e encontrei meu quarto erro grave: não ter resolvido, ainda, os enroscos da valuma com os cabos do lazy jack. Para resumir muito uma história longa, não consegui subir a mestra sozinho. Seria preciso ajuda e eu não arriscaria a pedir para que ninguém, naquele mar e vento, se expusesse frente a retranca. Esperaria ganharmos mais mar para tentar de novo: todos com cinto de segurança e sem risco de ir dar nas pedras.

Só que com isso a navegação ficou horrível, pois sem a vela em cima o barco balançava além da conta. Na cabine tudo voava para um lado e para o outro, mas ainda assim conseguimos comer amendoins e beber refrigerante.

Abri a buja. Com o ventão que ia entrar coneguiríamos velejar só com ela. MAS... o vento não apenas não aumentou,  como diminuiu. Ficamos em uma situação complicada,  onde havia pouco vento e muito mar. Não gosto disso.

Seguíamos rumo S verdadeiro e começamos a fazer as marcações, uma a cada hora inteira e uma a cada hora meia. Dividi a turma em duplas, que se alternavam nas marcações: o erro de uma iria interfrir na da outro e o acerto também. Estávamos no mesmo barco e todos têm que ter a mesma dose de responsabilidade, sem competições internas.

Tiago e Aruã, plotando posições na carta...

... enquanto Thiago e Celso negociavam com as ondas.
Entre 11h00 e 12h00 avançamos cinco milhas, usando motor e buja. Nada mal diante daquelas condições. Porém, contudo, todavia e entretanto, logo depois do meio dia - quando a maré começou a encher com força, nossa alegria acabou. Estávamos no través da ponta do Iporanga e simplesmente não avançavamos mais para S. Tentamos SW. Encontramos o vento japonês - Nakara! - e com isso perdemos a ajuda da buja, que estolou. Derivávamos, de lado, para SE, o que percebemos apenas após três marcações com intervalos de trinta minutos cada.  A corrente era inacreditavelmente forte e o motor já estava sendo muito exigido, sem grande proveito. A coisa não estava com uma cara boa.

Tínhamos duas escolhas: ficar derivando para SE por mais seis horas, até novo estofo da maré e depois seguirmos, contando com a sorte de não sermos pegos por mais uma corrente forte como aquela no meio do caminho ou reformular os planos.

Eu não ia sacrificar mais meu barco, nem minha tripulação. Uma travessia de cinco horas poderia se transformar em quinze, sem a menor necessidade, sem proveito algum. Sem vergonha alguma abortei a travessia.

Após fazermos a volta nossa vida mudou completamente. O barco voava, só de buja de trabalho! Em uma hora navegamos quase que o dobro do que havíamos navegado em duas horas e meia, e sem bater em muro algum! Se nosso destino fosse Ilhabela, teria sido uma travessia maravilhosamente rápida! Mas não era. Voltamos para casa e tratamos de tirar as lições do que ocorreu.

Rumo novo, vida nova.

A buja de trabalho, com forras de rizo para se transformar em uma vela de tempestade, se preciso for.

Muita gente - mas muita gente mesmo - torce o nariz quando se fala em navegar à moda antiga. E nem me refiro ao sextante, cuja utilização requer um emaranhado de minúcias que talvez seja incompatível com nosso mundo atual (onde tudo é imediato) e com a tão difundida push a button navigation. Existem muitos mestres amadores por ai. Mas ouso dizer que muitos fizeram navegação estimada apenas na preparação para a prova.  

Duas coisas eu gostaria de dizer a esses críticos. A primeira é que fazer as visadas, ainda mais quando não se está familiarizado com o local (como era o caso de meus alunos) não é algo tão simples quanto parece. O mundo é diferente do que está no livro. Esse tipo de navegação exige técnica, bons equipamentos e muita, mas muita prática! A segunda é que esse método funciona.

Ao chegarmos na poita, às 16h40 (e depois de um belo almoço), analisamos os dados do GPS e verificamos as posições que o aparelho nos indicava no horário das marcações visuais. A grosso modo houve erros. Alguns de pouca relevância, outros mais significativos.

Nossa estimativa de longitude foi bastante precisa; já a de latidude, nem tanto e eu confesso que ainda não entendo o motivo. No momento credito isso a dificuldade de tomada das visadas, agravada pela falta de prática e pelo mar mexido. Mas ainda assim o padrão foi muito constante para ter sido mero acaso. Houve algum erro. A questão é: onde?

Algo que me deixou especialmente contente foi que a impressão de que estávamos com progresso quase nulo a vante a partir da ponta do Iporanga e que estávamos derivando fortemente para SE se confirmou. Ou seja, com base apenas na estimada identificamos com precisão que situação enfrentávamos e tomamos uma DECISÃO com base nessa informação, decisão essa que entendi ser a CORRETA diante da situação e que seria a mesma que tomaria se a navegação fosse eletrônica.


O GPS apenas nos contou ...
... aquilo que já sabíamos, sem ele.

Peço desculpas pelo post longo e agradeço a todos que passeiam por essas águas e em especial aos amigos Aruã Covo, Celso Antunes, Tiago Bittar e Thiago Bauermann, que participaram da atividade com extremo afinco, seriedade e comprometimento - mas sem perder o bom humor!

E vamos de alidade mesmo!


quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Um pouquinho sobre GPS...

Boas!

Tempos atrás eu disse aqui que "era apenas dúvidas" quanto ao GPS. No final, acabei fazendo uma escolha. Antes, porém, quero explicar uma certa "ranzinzice" que eu tenho em relação a esse aparelhinho fantástico.

Vamos recordar? Afinal, recordar é viver!

O Sistema NAVSTAR -GPS - Navigation System by Time and Ranging - Global Position System, ou apenas GPS - é um projeto militar norte americano inicialmente disponível para os EUA e para os países da OTAN e que se disseminou para fins civis - até quando os EUA acharem que não há risco para a segurança nacional.  

O sistema tem duas divisões, a terrestre e a espacial. Esta última é composta por vinte e quatro satélites, sendo que destes vinte e um estão em permanente funcionamento e três em espera. Esses satélites estão em órbitas altas, fora do efeitos da ionosfera. 

O segmento espacial do GPS  foi projetado para garantir, com uma probabilidade de 95%, que pelo menos quatro satélites estejam sempre acima do horizonte (com uma altura maior que a elevação mínima de cinco graus requerida para uma boa recepção), em qualquer ponto da superfície da Terra, vinte e quatro horas por dia. Em muitas ocasiões, entretanto, doze ou treze satélites estarão visíveis para um usuário na superfície na Terra.

Em linhas bastante gerais o sistema se baseia na distância entre o receptor e a constelação de satélites, cujo número visível no céu varia de acordo com o local e o horário. Para uma posição simples, de latitude e longitude apenas três satélites visíveis são necessários. A posição GPS é baseada na medição de distâncias aos satélites do sistema. Os satélites GPS funcionam como pontos de referência no espaço, cuja posição é conhecida com precisão. Então, um receptor GPS (marítimo), com base na medição do intervalo de tempo decorrido entre a transmissão dos sinais pelos satélites e sua recepção a bordo, determina a sua distância a três satélites no espaço, usando tais distâncias como raios de três esferas, cada uma delas tendo um satélite como centro. A posição GPS será o ponto comum de interseção das três esferas com a superfície da Terra.

Alguns fatores, porém, interferem na precisão desse sinal e na posição por eles fornecida. Alguns desses fatores são inerentes ao próprio sistema (como interferência, ainda que mínima, da ionosfera e da atmosfera) e não podem ser retificados. Outro, porém, é proposital. Trata-se da chamada disponibilidade seletiva, que é um erro proposital imposto pelo segmento terrestre do sistema GPS que retira a precisão da posição fornecida. A margem de erro pode chegar a cem metros e isso para uma entrada de porto, com obstáculos e perigos para a navegação, pode ser insuficiente para garantir a segurança da navegação!

Ou seja, basicamente aquilo que a gente vê na tela - ainda mais quando temos um chartplotter -, não é exatamente onde estamos, mas sim um local onde existe a máxima probabilidade de estarmos! E isso é uma "faca de dois legumes", pois pode nos ajudar de maneira assombrosa e pode, também, nos colocar em uma bela "onça". Tudo depende de como absorvermos a informação que o aparelho nos dá.

O GPS talvez seja o mais maravilhoso auxílio de determinação da posição no mar. Mas apenas isso, mais uma ferramenta. Ele não navega para nós, mas sim, conosco e suas informações não devem ser lidas de maneira isolada nem acima de qualquer suspeita. Quem deve decidir "o que fazer", sempre, é o comandante da embarcação e não a máquina. Precisão 100% só o DGPS,  mas isso é um outro assunto...

Além de tudo isso, em veleiros, ele causa um efeito que sempre me incomodou: ao invés de lançarmos nossos olhos para a valuma da mestra ou da genoa (e ver se o barco está regulado direitinho), ou de olharmos várias vezes para todo o horizonte a nossa volta, ficamos de olho na "TV", jogando videogame.

Contudo, todavia e entretanto, nem de longe eu sou contra o GPS. Apenas acho que todos que estão no mar devem saber usá-lo corretamente, tendo em vista suas limitações e, mais importante do que isso, saber se virar quando ele falhar. Basta acabarem as pilhas, cair um raio nas imediações ou uma panezinha elétrica qualquer - eu já tive várias!

Até o mês passado o GPS padrão do Malagô era um Garmin 72H. Simples, compacto, tem tudo o que era preciso. No Cusco eu usava um ainda mais simples, o Etrex amarelinho, ainda o da primeira série. Somado a ele eu tenho duas antenas receptoras de sinal GPS, que conectadas a qualquer notebook e com o auxílio do Seaclear ou do OpenCPN (que eu considero melhor) o transformam em um chartplotter.



Mas no meio do caminho tinha uma pedra. Na verdade, uma falha. Como ecobatímetro o Malagô usa um fishfinder - Garmin  90s - com o transdutor instalado fora do casco. Desde nossa travessia de Ubatuba para o Guarujá ele anda falhando. Às vezes lê a profundidade, outras não. Simplesmente não dá mais para confiar e uma substituição se impunha.


Foi ai que eu conheci as séries 421s e 521s da Garmin. Além do GPS ele é um fishfinder e, mais do que isso,  integra  outros auxílios à navegação, como AIS, piloto automático e a estação de vento, apresentando os dados em uma única tela, que controla tudo. Em uma única tela, por exemplo, é possível visualizar a posição aproximada da embarcação, com o relevo terrestre e marinho em 3D, bem como visualizar na mesma tela as embarcações ao redor, com nome, rumo e velocidade (AIS) e ter informações da direção do vento real e aparente. Isso me agradou. Embora eu não tenha nada disso, rs, o fato de poder ter acesso a todos essas informações em um único aparelho e, mais do que isso, em uma única tela, acabou me convencendo. Adotei, então, o Garmin 521s - o que são mais alguns tostões senão apenas mais algumas pintas na onça?! Entre ele o 421s, segui a dica do Matheus e comprei logo o 521s. 

O preço é um bocadinho além da conta por nossas bandas e talvez o meu tenha caído de algum contêiner, se é que essas coisas existem (eu duvido!).  Mas o fato de ter várias funções integradas pode representar uma economia se sua ideia for adquirir mais equipamentos no futuro, como eu . Porém, é verdade que se ele quebrar, vai tudo embora...

O local que eu escolhi foi na entrada da cabine, em um suporte escamoteável, que ainda precisa de uns ajustes pois não permite a abertura total para fora. Eu pensei em instalá-lo embutido na madeira, mas esse crime com o "Velho Mala" logo foi para bem longe da minha cachola.


Quer saber mais sobre o sistema GPS? Consulte o Capítulo 37 do terceiro volume da obra "Navegação: A Ciência e a Arte", de Altineu Pires Miguen . E olha só que legal, essa obra - em três maravilhosos volumes - pode ser consultada 100% on line e de graça: https://www.mar.mil.br/dhn/dhn/quadros/publicacoes.html. Foi com esse material, aliás, que eu me preparei para a prova de Capitão Amador - valeu a dica, Ricardo Stavale!

E é isso ai, vamos no pano mesmo!

domingo, 4 de agosto de 2013

Vamos trabalhar?!

Boas!

Pois é, finalmente o Malagô deixou de frescura e voltou a trabalhar.  E eu fui junto, pois não pega bem deixá-lo andando por ai sozinho!

E ai, será que venta, Luiz?
Ontem teve curso de vela oceânica, a versão básica de apenas um dia. Voltamos às origens, no formato e no local de partida: o canal de bertioga. Depois de uma explicação teórica, subimos a genoa, montamos suas escotas, levantamos a mestra e às 11h16 soltamos o cabo da poita: o Malagô ia para o mar!


Luiz Soares, à esquerda; Tiago Bittar, no leme e Luiz Carlos.
Procurando o vento "lá fora".
O céu estava sem uma única nuvem. A temperatura estava agradável e o vento... pois é, o vento ainda não havia entrado. Mas o dia prometia e a gente tinha fé. Na tripulação os alunos: Tiago Bittar, Luis Soares e Luiz Carlos. Como o Ricardo Stark anda me esnobando e prefere ou trabalhar (eca!) ou velejar na represa, o convocado para a missão de imediato foi o Ivan Rodrigues, papel de embrulhar prego que já conta com algumas regalias, como levar a namorada - a Flor, que é mesmo uma flor - para passar o final de semana a bordo, contando estrelas cadentes no convés... eles ouviram até violinos, mas eu credito esse fato à garrafa de vinho vazia que encontrei no "quarto de jogos". 

A Flor!

A Flor ajudando o Ivan na cozinha. O torresminho ficou sequinho, sequinho!Mas faltou a cerveja...
No canal somos escravos da maré. E o dia seria longo, pois a correnteza estava forte (três nós!) e  contrária na ida e na volta. Subimos o canal a três nós, com algum sacrifício do "vento de porão", que não nos deixou na mão. Assim que passamos a pedra do corvo desligamos o motor e esperamos o vento. Esperamos. Esperamos e... ELE VEIO! Fraquinho, modesto, com seus cinco nós. Mas veio, de leste. O "velho Mala" entrou em uma orça folgada e foi se afastando da costa. Quando estávamos cinco milhas mar adentro, já bem longe de qualquer perigo, entramos em um través e tocamos na direção da Ilha da Moela, que já podia ser vista. Devagar (4 nós) e sempre.


E a brisinha veio...

.. e só ia embora quando o Luiz Soares assumia o leme!

Velejar!

A coisa estava boa. Mas a cada milha para a frente haveria uma outra para a volta... ou até mais do que uma, porque velejar tem dessas coisas. Assim, às 15h00 e quando estávamos no través da laje do Perequê, demos um bordo - manobra perfeita - e tocamos na direção da pedra do corvo. Éolo deve ter ficado bravo com a esnobada que demos na brisinha que ele nos enviou e quarenta minutos depois fechou a fábrica. Motor de novo, e dessa vez até o fim.

No trvaés de Iporanga.
Na entrada do canal, porém, entrou um SW de mais de vinte nós. O Malagô sofreu para entrar, pois somado ao vento forte e às lanchas fazendo marolas na barra apertada, a maré estava... CONTRA! Aumentei o giro e fomos avançando a 2 nós. 



Encontramos a poita às 17h33 e  às 180h00 todos já tinham tomado o caminho da roça. A frase do dia foi do Luiz Soares, que sobre a falta de cerveja a bordo comentou "- Pô, isso aqui é passeio de crente!". Pois é, não dá para se ter tudo nessa vida! Cerveja só com o barco amarradinho.

E vamos no pano mesmo!