quarta-feira, 10 de junho de 2015

A aposentadoria do futuro: o ano sabático.

Boas!

Quem de nós não conhece alguém que planeja se aposentar e então curtir a vida por ai, sem lenço nem documento? Pois eu tenho uma má notícia para as gerações mais novas: esse modelo de vida, em que se trabalha muito na juventude e depois se aproveita anos de ócio criativo na velhice está com seus dias contados.

Hoje em dia já são poucos os que conseguem se aposentar pelo regime geral da previdência social (INSS) e viver apenas com esses proventos. A maioria acaba tendo que continuar trabalhando, pois o ganho se mostra insuficiente e quando não conseguem conciliar a aposentaria a outro trabalho, o padrão de vida cai significativamente. Alguns que se aposentaram por regimes próprios (servidores públicos) ainda conseguem, aos trancos a barrancos, segurar a onda. Vivemos, porém, um momento de transição cujos efeitos ainda não foram percebidos pela maioria.

A aposentadoria como a de meu avô Synval, comandante de longo curso do Loyd Brasileiro e que durou de seus 60 aos 89 anos (idade que tinha quando morreu), com salário integral e paridade com o pessoal da ativa será coisa do passado. Minha filha Alice, hoje com 04 anos de idade e os filhos dela trabalharão até o último suspiro, aposentados ou não. 

Nosso modelo de previdência social se assenta no princípio da solidariedade, sendo que não há contrapartida entre o que é arrecadado pelos economicamente ativos e o que esses mesmos pagadores receberão quando chegar sua vez. O modelo é de repartição, não de capitalização e o mais afortunado custeia o benefício do menos privilegiado economicamente. Cada um contribui de acordo com a sua capacidade e receberá aquilo que a legislação vigente à época da aposentadoria determinar, sem uma relação direta de proporcionalidade.  Forma-se um bolo com recursos provenientes de várias fontes e, depois, divide-se esse bolo de forma mais ou menos igualitária. Na prática quanto menor e renda ao longo da vida contributiva, menor será o impacto no orçamento quando chegar a hora. O oposto é cruelmente verdadeiro. 

Em regra o menor valor de uma aposentadoria paga pelo INSS é atualmente equivalente a um salário mínimo, ou R$ 788,00. O maior valor representa o teto previdenciário, hoje fixado em R$ 4.663,75. No regime geral (INSS) ninguém pode receber uma aposentadoria menor do que o mínimo, nem maior do que o teto (embora exista uma exceção, que é a chamada grande invalidez, em que o aposentado por invalidez que necessite do amparo de um cuidador, dada a extensão de sua incapacidade, recebe um acréscimo de 25% em seu benefício mesmo se já receber o teto). 

Na prática sua aposentadoria será muito próxima ao teto - R$ 4.663,75 - apenas se você se aposentar hoje, for homem, tiver 65 anos de idade e 35 de contribuição (sendo que nesses anos terá que ter contribuído por pelo menos 28 anos sobre o teto). Se tiver 53 anos de anos de idade e  trinta e cinco de contribuição - sendo 28 anos sobre o teto - , sairá com metade, ou R$ 2.331,87  (é o tal do fator previdenciário, talvez extinto em breve). As mulheres têm um desconto de 5 anos nessa conta e os professores (desde que tenham exercido apenas atividades de docência), também.

Em maio de 1995 o salário mínimo era equivalente a R$ 100,00 e o teto previdenciário era R$ 832,66 (oito vezes mais que o mínimo); em maio de 2015, vinte anos depois, o mínimo passou a ser R$ 788,00 e o teto previdenciário R$ 4.633,75 (cinco vezes mais que o mínimo). Todos os governos alardeiam o aumento do salário mínimo, mas ninguém fala sobre a redução do teto. A aproximação entre o salário mínimo e o teto previdenciário é notória, não é sem motivo e a diferença só tende a diminuir. A ideia é que no futuro o salário mínimo e o teto sejam uma mesma peça, tenham o mesmo valor, lembrando que não existe vinculação entre o valor que se começa a receber de aposentadoria e o número de salários mínimos da época. Minha mãe aposentou-se em 1995 com o equivalente a oito salários mínimos. Hoje recebe um pouco mais de dois. Se viver mais vinte anos, encontrará o mínimo lá na frente.  

No início dos anos dois mil o Brasil ainda é um país de jovens. A pirâmide etária demográfica tem sua base larga e o topo estreito. Esse cenário, contudo, vem se invertendo dramaticamente e em 2060 seremos um país de idosos, como o Japão de hoje. A diferença é que nossos jovens não são japoneses. Nós valorizamos o novo e desprezamos o velho, de sorte que será muito pouco provável acreditar que os jovens de 2060 irão concordar em se submeter a altas contribuições previdenciárias para custear benefícios de outras pessoas.




E o que tudo isso tem a ver com vela?

Muito.

Todo final de semana eu recebo em meus cursos pessoas que planejam aposentar-se e curtir a aposentadoria em um veleiro no Caribe. Cuidado! Se você também tem esses planos, é melhor repensar sua programação, principalmente se você for jovem. Dentro de vinte anos quase ninguém irá se aposentar da forma tradicional, imaginada por alguém nascido em 1950. Isso significa dizer que aquele período de ócio criativo a bordo de um veleirinho no mar azul, se você não se planejar , talvez nunca chegue.

Há pelo menos dois caminhos para resolver isso. O primeiro é a preparação desse terreno de uma forma mais tradicional. Previdência complementar privada (necessária até para os novos servidores públicos, que verão a paridade com o pessoal da ativa cada vez mais distante, mormente depois da Emenda Constitucional n. 41/2003), imóveis de aluguel, poupança.

Eu, porém, defendo um outro modelo, mais simples: dividir, ao longo da vida, períodos de trabalho e de lazer. Ah! Mas isso já existe, chama-se férias! É verdade, mas eu vou um pouco além disso.

Nós devemos repensar nossa relação com o trabalho e com a vida. Não faz sentido se matar de trabalhar ao longo de 30, 40 anos, para desfrutar um dia que talvez nunca chegue ou, que se chegar, você já não tenha o esplendor físico e a paixão de espírito para vivenciar  de forma plena. Não faz sentido apenas acumular, é preciso desfrutar, é preciso viver. Não é questão de ser estóico, mas a vida deve ser aproveitada enquanto ela é vida!

Quando se esperava viver por apenas 40 anos, ter uma única profissão era algo perfeitamente compreensível.  Mas logo logo viveremos 90, e bem - e ganhando uma paosentadoria pequena. Não cabe ai muito mais coisa do que apenas uma vida?

Acredito que em breve não teremos apenas uma única profissão. Faremos mais de uma coisa, por tempo determinado, enquanto valer a pena.  Depois faremos outra, seja porque paga melhor, seja porque é mais divertido. Se morreremos em batalha, que pelo menos lutemos o bom combate, com brilho nos olhos! Passar duas horas dentro de um carro apenas para chegar ao trabalho não é algo normal. Não é algo que valha a pena. Sentar-se trinta anos em uma mesma cadeira, também não é. Ganhar dinheiro, apenas, não é tudo. Em alguns períodos apenas respirar fiundo e contemplar o horizonte pode ser mais importante.

Acredito piamente que a aposentadoria nos moldes tradicionais será substituída por algo muito mais interessante: o ano sabático. Um período mais curto do que aquela aposentadoria na velhice e bem maior do que as férias, em que nós, no esplendor da vida, largaremos tudo e viveremos nossos sonhos e nossas aventuras, para depois voltarmos ao trabalho e preparar o próximo período de descobertas, em ciclos. De nada adianta construir o que não será aproveitado. E esse retorno pode ser para um novo trabalho, para uma nova atividade, para um novo lugar. Teremos que aprender a nos reinventar de tmepos em tempos.

Essa minha ideia soa estranha em 2015, eu sei. Mas isso é porque nós fomos talhados com a expectativa de que um dia iremos nos aposentar e, mais importante do que isso, com a ideia de que apenas o trabalho diginifca o homem. Está em nosso DNA e nos parece um direito e um dever sagrado, um dogma.

Confrontando os fatos, porém, vemos que o valor que receberemos no futuro a título de aposentadoria será apenas um pecúlio para ajudar a pagar o plano de sáude (quando muito) e que trabalhar arduamente e sem pausas, apenas para ganhar a vida, oprime e diminui o espírito humano.  Não quero ser estóico, eu já disse. Mas nessas horas não dá para não deixar de encontrar amparo no conselho de meu amigo Sêneca: "Não se preocupes em viver demasiadamente, mas sim em viver satisfatoriamente. Isso porque viver longamente depende apenas do destino e da sorte, enquanto que viver satisfatoriamente depende apenas de ti mesmo".

E vamos de paninho na bengala mesmo!


5 comentários:

  1. Interessante..vamos montar um sistema independente, uma cooperativa, onde uns trabalham por 6 meses enquanto outros curtem a vida ou investem em outras atividades e vice versa..guanhando igualmente.

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  2. A 1a. parte concordo, sim a coisa vai ficar feia, mas tente fazer um ano sabatico com 50 anos e voltar ao mercado de trabalho. Vai penar um monte.

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  3. Ótimas e realistas reflexões.

    Um pequeno adendo: professor universitário não é professor para fins previdenciários... Curioso, né?

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  4. Fantástico!! Concordo em gênero e número com sua tese e também com a idéia de uma cooperativa de trabalho onde enquanto uns trabalham, outros "sabatizam", ou seja, vivem a vida.

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