segunda-feira, 9 de dezembro de 2013

Limpando os porões...

O ano, como medida de tempo, é apenas uma ilusão. Mas não existe à toa: de tempos em tempos é preciso liberar o passado e começar de novo, ainda que isso seja um simples faz de conta. Foi o que fiz. Abri as tampas do porão do Malagô e comecei e retirar a sujeira. É incrível como coisinhas tolas, do dia a dia, vão se acumulando. Papel de bala, muitos parafusos, lascas de tinta e de madeira. Sozinhas, são pouca coisa. Mas aos poucos elas se encontram e formam uma parede potente que bloqueia a passagem da água. O espaço entre cada antepara ou caverna fica estanque e a bomba de porão funciona em seco, até queimar. Dá trabalho? Claro. Mas pelo menos uma vez por ano precisamos limpar os porões do barco. Revisitar o que perdemos. Passado demais pesa. O barco anda menos e isso nos dá raiva. Pior: sentimos raiva sem nem lembrarmos o motivo... Mas não se engane, navegador: é culpa dela, da sujeirinha santa - ou não tão santa assim - de cada dia, que consegue entrar pelas frestinhas mais absurdas e fica lá, esperando o momento de encontrar outra sujeirinha, e mais outra, e outra, até que... É nojento? Sim. Depois que fica imersa em água parada, por meses a fio, a pequena sujeira se transforma em algo podre, mole, amorfo e envolto em óleo negro e fétido. Nossos porões têm uma carga limitada. Por maior que sejam - e olha que o porão do Malagô é grande - não comportam mais do que as leis da física permitem. Pior: mesmo grande, as aberturas de drenagem são pequenas. Menos do que um punhado pode comprometer todo o sistema. Cada antepara precisa da outra; nenhuma caverna é uma ilha. É preciso limpar os porões pelo menos uma vez ao ano, por mais ilusório que o conceito de ano seja.  Dói?  Às vezes sim. Ontem mesmo me cortei roçando em um parafuso exposto, escondido pela água suja. Estivesse limpo o porão e eu teria visto a ameaça, teria me precavido e não teria explodido em palavrões. A sujeirinha nossa de cada dia nos cega e nos afunda na ira tola. Resolve? E como! Depois de limpo a água corre cristalina, a pintura branca reluz e as bombas, acionadas pelos seus automáticos, trabalham em sincronia e no tempo exato. Pelo menos até o dia seguinte, quando começa tudo de novo...





3 comentários:

  1. Mas só o prazer do dia de limpar já vale a pena! rsrs

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  2. Obrigado pelo blog , tenho apreciado "a milhão" , e que tenham um Feliz Natal e um ótimo 2014 com bons ventos pra todo mundo.
    Roberto

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  3. Bonito texto, com uma metáfora muito interessante para aqueles que entendem. Boas Festas!

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