sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Roteiro - prático - para a regulagem do estaiamento do Rio 20

Boas!

No meio desse ano troquei algumas mensagens com um colega (advogado e velejador), de Campinas/SP , proprietário de um Rio20, em Paraty. Em uma dessas mensagens ele me fez uma pergunta: "Como regular o estaiamento do Rio20". Eu, uma besta completa, respondi: velejando! Nos meus barcos anteriores com estaiamento (dois HC14, um Dinghy Andorinha e um Daysailer) eu sempre regulei o estaiamento, justamente, velejando... Testando o que dava certo, o que dava errado... levava um tempão, é verdade. Mas no final o barco ficava reguladinho e, nessa hora, eu o vendia! rs.

Pois é, a resposta ao colega de Campinas, depois, me soou grosseira. E pouco precisa.

Então só me restou ir atrás, não é?!

Muita leitura na web, muita conversa daqui, dali e um livrinho muito bacana e que eu recomendo me ajudaram a elaborar um roteiro de regulagem. Antes de colocá-lo aqui no blog eu testei os resultados e foi tudo aprovado!

Outra observação é que esse roteiro se aplica, praticamente, a qualquer veleiro. Só coloquei especificamente para o Rio 20 porque foi nele que eu o empreguei e verifiquei os resultados.

Vamos lá, por etapas:


1. Nomenclatura: antes de começar, vamos dar nomes aos bois. O cabo de aço que fica na proa do barco e vai para o mastro vamos chamar de ESTAI DE VANTE; o que vai da ponta do mastro para a popa, ESTAI DE POPA.

Os dois cabos de aço maiores, que vão do tope do mastro até o convés, e cujo esticador é fixado na argola do meio, são os BRANDAIS SUPERIORES. Os menores, em número de quatro (dois de cada lado) que vão do meio do mastro até o convés e cujos esticadores são fixados na primeira e na terceira argolas (no convés), chamaremos de BRANDAIS INFERIORES.

Pronto. Se você já sabia, bacana. Se não, aprendeu mais uma - e que serve para qualquer mastro estaiado!

2. O roteiro de regulagem a seguir é apenas o básico, para CRUZEIRO. O ajuste fino deve ser feito depois (assunto para outro post).


3. Com o mastro em cima, na enora (local onde o mastro é encaixado no convés, que no Rio20 tem o formato do perfil do mastro, em fibra), deixe todos os estais e brandais presos ao convés, mas soltos. O mastro ficará bambo, mas não irá cair (a menos que você saia para velejar assim...).

4. O primeiro ajuste que deve ser feito é o rake, ou seja, o caimento do mastro. Em minha opinião é o ajuste mais importante, pois influi diretamente na condução da embarcação. Mastro muito a frente, além do rake ideal, faz com que o barco tenha a tendência de arribar exagerada; muito atrás, o barco fica muito ardente, ou seja, tem uma exagerada tendência a orça.

O ideal não é nem um, nem outro. O caminho do meio, como já nos ensinava Sidharta! Em meus barcos eu sempre preferi uma leve ardência, ou seja, um ajuste que propiciasse uma leve, mas leve mesmo, tendência a orça. Isso porque no contravento, em uma rajada mais forte, a tendência do barco será aproar no caso de eu, por alguma razão, soltar o leme nessa hora. Com isso, logo ele vai ficar de cara para o vento e parar. Se a tendência fosse de arribar, ele empoparia e seguiria como um cavalo chucro, sem controle, sabe-se lá para onde!

No Rio 20 esse ajuste é conseguido ajustando a inclinação do mastro para 3 graus para trás.

A pergunta que vem à cabeça deve ser meio óbvia: como eu vou saber quantos graus de inclinação o mastro tem em direção à popa?!

Eu também não sabia...

É assim: na ponta da adriça da vela mestra, amarre algum peso. Eu usei uma chave inglesa. Cace a adriça da mestra, com o peso pendurado, apenas o suficiente para que o peso fique suspenso. É importante que o peso não seja içado acima da retranca (já explico o motivo).

Coloque um balde (com água) em cima do teto da cabine, junto ao mastro, e coloque o peso dentro. Isso deve fazer com que a oscilação pare e, num dado momento, seja imperceptível (na medida do possível, se você estiver na água).

Após o cabo da adriça estar estabilizado, meça a distância entre o mastro e a adriça da mestra, na altura da retranca. No caso específico do Rio 20 a distância encontrada deverá ser , nesse momento e nessa configuração, de no mínimo 6,5 cm e, no máximo, 7,5 cm. Não mais do que isso.

5. Ajustado o rake, é hora de cuidar do caimento lateral.


O mastro tem que ficar reto!

Faça um primeiro ajuste no "olhometro", dando poucas voltas nos esticadores - use apenas as mãos.

Quando achar que o mastro está reto, pegue a adriça da mestra (ela de novo, mas sem o peso), e leve a ponta até um ponto fixo no convés. Eu usei a primeira alça de fixação dos brandais inferiores. Trave o cabo da adriça e, sem que ele suba ou desça (isso é importante), leve até o ponto correspondente no bordo oposto. Se o barco estiver reto, realmente, a ponta da mestra vai atingir esse ponto da mesma forma que atingiu o anterior. Se sobrar ou se faltar, o mastro ainda não está reto. Faça as devidas compensações, nos esticadores, até obter o resultado esperado.


Não mexa nos brandais inferiores agora. Eles deverão estar todos soltos!

6. Mastro reto e com o rake certo, é hora de regular o estai de popa. Como a maioria dos Rio 20 tem ele fixo, vou ensinar como fazer uma regulagem infalível nesse sistema.

O estai de popa deverá estar solto, mas com o esticador preso.

A regulagem padrão desse estai é até 30% da tensão máxima de ruptura.

Bom, e como eu sei que atingi esse limite? Se você tiver um tensímetro, é fácil. Mas, se não tiver também é.

Prenda ao longo do estaiamento uma vareta de madeira leve, com exatos dois metros de comprimento. A primeira ponta dessa vareta deverá estar posicionada no exato ponto final do terminal do cabo. Prenda a parte superior com fita adesiva.


Comece a esticar o cabo. Conforme ele vai ganhando tensão, a ponta da vareta deverá se afastar do final do terminal do cabo. Quando essa distância chegar a quatro milimetros, pare! Você praticamente atingiu os 30% da tensão máxima de ruptura, que é o seu limite de segurança.

Digo praticamente porque, na verdade, esse resultado equivale a 2/3 dos 30%. Mas o uso do 1/3 restante é para regulagens mais precisas, que o velejador de cruzeiro e o iniciante pode não se interessar em usar.


7. Acabou?! Não!!!

Volte para o procedimento de medição do rake, descrito no item 04. Se vc fez tudo certinho, aquela distância máxima que era entre 6,5 e 7,5 cm deverá estar em, no máximo, 12,5 cm. Se estiver mais do que isto, ajuste tudo novamente, até que esse valor referencial seja atingido. Menos, tudo bem, desde que não menos de 6,5 cm.

8. Agora é hora de ajustar os brandais inferiores.

A regra é: use apenas as mãos para ajustar a tensão, nos esticadores. Os brandais inferiores da frente devem estar mais tensionados do que os de trás. Eu deixei os meus de vante o suficientemente justos para que não balançassem e os de popa eu deixei balançado bem pouquinho. So far, so good.


9. Chegou, então, a melhor hora: vá velejar.

Mas calma, velejando você ainda fará ajustes.

Em um vento clamo (por favor), entre no contravento (orça). Observe os brandais superiores. O de sotavento (o que está inclinado, rs) não poderá estar solto, bambo. Se estiver, vá lá e corrija. Navegar "em solitário" nessas horas não é uma boa ideia!

Cambe. Verifique o brandal superior de sotavento (que, antes, era o de barlavento). Se ele estiver bambo, vá lá e o estique até que não se curve mais. E não mais do que o necessário para isto.

Repita o processo e analise os resultados. Regule até que nas cambadas os brandais de sotavento não se dobrem, ficando pré-tensionados.

Faça agora o mesmo com os brandais inferiores, mas lembre-se que os de ré são menos tensionados que os de vante, que dizem para a proa.


Isso não é tudo sobre o assunto, mas para velejar com segurança e sem compromisso com alto desempenho (regatas), essa é a regulagem ideal.

A bibliografia que indico e que aborda muito outros assuntos além destes é o livro Regulagem de Velas: Manual Ilustrado, de autoria de Ivan Dedekam, tradução de Claudio Ermel Ferraz e editado por Andrea Jakobsson Estudio, em 2009.

Bons ventos!

9 comentários:

  1. A internet é impressionante mesmo! Há mais de um me deparo com este artigo que me ajudou muito em algumas dúvidas. Valeu Juca!

    ResponderEliminar
  2. Eu quis dizer "Há mais de um ano me deparo..."

    ResponderEliminar
  3. Juca, com o seu artigo você realmente tornou mais fácil a nossa vida!

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Pois é, Matheus! Mas casa de ferreiro, espeto de pau. O meu etaiamento está uma vergonha, todo desregulado!!! abs

      Eliminar
  4. E para mono casco que não tem estais de popa

    ResponderEliminar
  5. Juca voce poderia me dizer quanto mede (altura) o mastro do Rio 20 da enora até o Top? e para complicar ainda mais um pouco da linha dágua até o Top? grato.

    ResponderEliminar
  6. Andre! Esse é fácil!!! O meu mastro tinha 8,10 m e ficava a 1,2 metro da linha da água! Vais passar por alguma ponte?!

    ResponderEliminar
  7. Juca, pode me dizer qual a diferença dessa regulagem para uma regulagem de regata?

    obrigado

    ResponderEliminar
  8. Fantástica a orientação, vou coloca-lá em prática.

    Alguém sabe onde posso encontrar o manual e o projeto do Rio 20? Comprei um há 3 semanas e irei velejar com ele nas águas da Bahia de Todos os Santos. Valeu Juca já virei fã do Blog.

    ResponderEliminar