quinta-feira, 25 de abril de 2019

A praia mais linda...

Boas!


Semana passada eu,  a Vivian e mais dois casais de amigos (o Severiano e a Kathya e o Mauro Pascotto e sua inigualável Myrna) alugamos uma scooter no centro da Ilha de Vis, na Croácia.  Três horas para passear pela Ilha, o tempo mínimo. O moça pediu minha CNH, mas não percebeu que a mesma estava vencida. E se consultasse o sistema do Denatran saberia, também, que ela está suspensa. Como há quase dois anos eu não dirijo mais,  a CNH em dia não tem muita relevância. Uso apenas Uber, bicicleta, patinete e tênis (não necessariamente nessa ordem). Não tenho e acho que nunca mais terei um automóvel.



De toda forma, fazia tempo que eu não pilotava uma motocicleta e, por isso, não me senti seguro para acompanhar nossos amigos pelas estradas da Ilha logo de cara. Sem aviso, fiz o retorno e fomos nós desbravar o centro histórico daquela pequena jóia do Adriático.

O Missisipi, o Benneteau Oceannis 50 que nos fazia as vezes de casa e de máquina de viajar  repousava tranquilo na pequena baia, ao lado do Ferry e de uma igrejinha de trezentos e poucos anos.



Nos aventuramos por vielas centenárias, onde casas construídas em pedra calcárea desafiavam o tempo, persistindo aos séculos e nos avisando, em uníssono, que não duraremos o mesmo tempo que elas.



Um pouco mais confiantes nas curvas, visitamos o Forte George e vimos o mundo do alto. Depois disso e já acostumados com as duas rodas, pegamos a estrada para Komiza, do outro lado da Ilha, sem nenhum anúncio formal. A volta em Vis, pelas estradas, dura apenas uma hora, nos avisou a moça da locadora. Mas parando leva pelo menos três. "E vocês vão querer parar", ela disse, com bastante razão, mas sem acertar o desfecho completamente.



Saímos um pouco tarde e, quando chegamos em Komiza, já estava escurecendo. Os casacos e as luvas estavam no veleiro, porém. O resultado foi que eu pilotei a pequena scooter da Yamaha com os dedos congelando e torcendo para o tour acabar logo.



No dia seguinte, permanecemos em Vis, embora o restante dos outros veleiros tenham ido para Hvar. A nossa tripulação faria um passeio de barco, pela Ilha, para conhecer a Gruta Azul, um das atrações mais fantásticas de toda a Croácia.

O interesse da Vivian, porém, era outro. Stiniva... o passeio de barco vai até lá, mas pelo mar. Ela queria ver a praia, uma das mais belas do mundo, chegando pelo alto. O que fazer?


Alugamos novamente a scooter e, em um hora´rio melhor (meio dia) e mais agasalhados, fomos até lá, curtindo as estradas de uma forma muito melhor. Sem hipotermia, foi possível vislumbrar as oliveiras, as ovelhas e os abismos verdes que se debruçavam sob o azul intenso do mar adriático. Entramos em cada cantinho que foi possível, mas sem perder de vista nosso objetivo final.



Ao chegarmos em Stiniva, uma placa anunciava que a descida seria por nosso próprio risco.  Ao lado da placa encontramos uma moça, que levava seus cães para passear e que tinha uma casa na praia ao lado. "Desçam devagar, muito devagar. É muito perigoso. Mas a vista da baía... ahhhhhh".



E lá fomos nós. O caminho não era mesmo nem de longe tranquilo. A trilha não era de terra, como na Ilha Grande (Angra dos Reis/RJ), mas feita de milhões de fragmentos de pedras claras, todas soltas e incrivelmente escorregadias. Foram longos vinte minutos de descida, evitando cair no precipício, até vislumbramos a baía e exclamarmos o nosso próprio "ahhhhhhh". 

Nenhum "ahhhhhhh" na vida vale tanto quanto aquele que nós mesmos falamos. 

A criação daquela joia foi relativamente simples. Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura, aprendemos desde cedo. O embate diário e milenar do rochedo contra o mar criou uma gruta; um dia, de tanto apanhar das ondas, o teto dessa gruta colapsou. Pronto: nascia Stiniva. A praia mais linda que eu já vi na vida. E olha que eu já vi praia linda por ai.

Sim, Stiniva é mais bonita que o Sancho, que o Sueste e que o Cachadaço da Ilha Grande. Mais bonita que Lopes Mendes. Mais bonita do que todas as praias que eu já tinha visto juntas.

Pelo menos foi com essa certeza que eu cheguei de volta ao Brasil, após uma semana exposto à beleza quase que obscena do Croácia, velejando a todo pano com ventos sempre acima de quinze nós e mar baixo, de Solta até as Kornati; das Kornati até Vis, de Vis até Hvar, de Hvar para Solta, ao lado da minha mulher e de amigos queridos.





Eis que hoje o Sr. Facebook me relembra de uma foto de 2013. Uma tarde de dezembro, em Paraty, com uma garotinha de pernas tortas levando um baldinho para a beira do mar, para fazer um castelinho. Então, assim meio de repente, todas aquelas certezas sobre a beleza de Stiniva se dissiparam. Fiquei com sérias dúvidas e me fechei em copas por alguns instantes.


Qual a real beleza de Stiniva? Qual a real beleza de Tarituba, ou de qualquer outra praia? Ou palácio, montanha, casebre? O que nos faz ver beleza, de fato, no mundo que nos rodeia? Será o azul? O sol? O frio? O calor? O preço das coisas?

Nada disso. A beleza está dentro de nós. Stiniva foi a  praia mais linda do mundo, aos meus olhos, porque eu cheguei lá ao lado de alguém que me completa, que está comigo na calmaria e na tempestade. E nós chegamos em Stiniva juntos. Por conta desse "juntos", uma praia linda se tornou a mais linda do mundo. Para outra pessoa, contudo, pode não ser assim. Pode-se ver até mesmo feiura naquela pequena enseada. Eu mesmo consigo pensar em uma ou duas pessoas que reclamariam daquele caminho tortuoso e fariam daquele momento um inferno. Enxergar beleza nas coisas, nos caminhos e até nas pessoas depende essencialmente de como as coisas estão por dentro do nosso olhar.

Eu estava pleno e feliz. Por isso aquele azul esverdeado me tocou tão fundo à alma. Ainda mais porque eu sabia o quanto havia me custado chegar até ali...

Em outra ponta, e por essa mesma razão, a Alice andando de costas nas areias de Tarituba é uma imagem tão bela quanto Stiniva. Ou até mais, a depender do significado que para mim a foto das perninhas tortas tem.

A vida não é um concurso de fotografias. Melhor que isso, é um mural, repleto de momentos como aqueles. Tarituba cabe no mural da minha vida tão bem quanto Stiniva. Uma não exclui a outra. Ao contrário, se completam. Mais importante, ainda há espaço para muitas outras praias nesse mural. A praia mais linda do mundo é aquela que ainda iremos descobrir.

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