No filme Náufrago - aquele, com o Tom Hanks e o Wilson - há uma passagem interessante. Já a salvo, ele conta para sua 'ex' que quando já achava que estaria perdido para sempre naquela ilha, um dia a maré trouxe uma 'vela' (que era uma carcaça de geladeira ou algo assim). Com isso ele conseguiu usar a força do vento para impulsionar a jangada para vencer a arrebentação e ir sofrer mais um pouco lá em alto mar."Amanhã o sol vai nascer. E quem sabe o que a maré poderá trazer?", disse a personagem de Hanks.
No final do ano passado essa frase se mostrou bem verdadeira por essas bandas.
Como planejado saímos no dia 19/12 do CIR para entregar a meia tonelada de donativos que arrecadamos para o pessoal do Montão de Trigo. Fomos em quatro veleiros e uma lancha: Fratelli ,Gaudério, Pana Pana, Offline e Baiuka. Após um café da manhã na Dona Lúcia, os barcos deixaram o clube em flotilha às 10h25.
Como raramente acontece em um sábado o vento estava de S, o que permitiu que velejássemos desde antes da Moela (passamos por dentro) a boa velocidade e recebendo o vento por través. Uma delícia!
Eu estava a bordo do Fratelli, sob o comando do Marcelo. O Eduardo também foi com a gente. Na altura do canal de bertioga o vento deu uma refrescada. O Offline, que estava com sua linda gennaker, deu uma atravessada por conta de estar com muito pano em cima. O vento então rondou para SW e começamos a velejar de popa. Para melhorar nossa performance a bordo do Fratelli, decidimos colocar o pau de spi para dar sustentação à genoa na asa de pombo. O Marcelo foi lá na frente mas, durante a manobra acabou deixando o pau de spi cair na água.
Iniciamos os procedimentos de "pau ao mar" (ops, isso ficou estranho!), mas apesar de nossos valentes esforços o pau de spi afundou e desapareceu nas ondas para sempre.
Seguimos para o Montão um pouco chateados com o ocorrido. Mas faz parte... no mar, quem tem apenas um, não tem nenhum.
Eduardo, no leme e Marcelo, o capitão! |
Fundeamos no Montão um pouco depois das 17h00. Uma canoa veio da ilha e retirou as doações espalhadas nos barcos. Mergulhamos um pouco e quando íamos fazer um churrasco e convidar todo mundo para ir para o Fratelli, o céu desabou em água. Sem muita opção, cada barco cuidou de sua alimentação e esperamos a frente fria que estava programada entrar.
Offline. |
O Pana Pana fundeado a vante do Fratelli. |
O Gaudério, visto do Fratelli. |
O vento apertou bem lá pelas 21h00, justo quando a picanha do Bassi que o Eduardo estava fazendo ficou pronta! "- O que pode dar errado numa situação como essas?", perguntou o Edu. "-Bem, a nossa âncora pode garrar e a gente sair por ai boiando sem perceber e acabar na praia ou nas pedras. A profundidade aqui é de oito metros e lançamos toda a corrente e cabo a bordo, isso deve ser suficiente, pois dá mais de dez vezes a profundidade. Mas mais perigoso que isso é um barco garrar e vir para cima da gente, enroscar cabos, etc. Isso é ruim".
E quando a coisa estava ficando boa... |
Logo depois disso percebi que estava com roupa de verão e como sinto muito frio, resolvi me proteger daquela chuva e vento. "Vou colocar minha roupa de festa", disse sem saber quão profético estava sendo.
Havia um quê de apreensão, pois o vento assobiava nos estais e a âncora que o Marcelo estava usando era nova, uma Rocka, vendida pelo Paulo lá do Paraná. Sai da cabine preparada para só dormir quando aquilo passasse. Foi ai que ouvi a Carol, do Pana Pana, gritando: "- Eeeeeeeeeiiii". Pois é. O Pana Pana, de trinta e oito pés, garrou e estava em cima da proa do Fratelli, um Delta 36. Corremos para lá. O Nico, marido da Carol explicou que não podia engrenar o motor pois o cabo da nossa âncora enroscou no leme dele. O Marcelo pulou para o Pana e ficamos todos tentando evitar o choque entre os dois barcos. Defensas, empurra aqui, segura lá. Tudo em vão. As marolas estavam altas! Logo ficou claro que não havia opção. Ligamos o motor do Fratelli e cortamos o cabo da âncora. Fiquei no leme, a noite, de novo... Ô sina. O Eduardo ficou meio atônito e o Marcelo, dono do barco, lá no outro veleiro, que logo se livrou do enrosco.
Afastei o Fratelli do Montão e fiquei motorando devagar, capeando. Quarenta minutos depois a porranca passou. O Pana Pana estava fundeado novamente. Após umas cinco tentativas frustradas pelas ondas consegui emparelhar os barcos e resgatar o capitão.
O Fratelli tinha mais uma âncora a bordo, uma bruce falsificada que nunca unhava de primeira. Pegamos o que havia de cabos a bordo e tentamos um novo fundeio. Mais tarde o Rogério, da Baiuka, veio a bordo e me levou até sua lancha para pegar mais cabos.
Lá pela meia noite, quando tudo estava controlado, vimos que o Gaudério estava na nossa proa. Ele estava bem fundeado mas nós, não. Dessa vez quem garrou foi a gente... Para piorar o cabo da nossa âncora se enroscou na quilha do Fratelli. Faca de novo... quando eu ia cortar o cabo, porém, o enrosco se desfez sozinho. Fui para o leme e o Eduardo e o Marcelo subiram, sei lá como, a âncora na mão.
Sem ter como ancorar com segurança não havia opção. Avisamos todos no rádio e voltamos para Santos. O Pana Pana e o Offline vieram com a gente. A Baiuka e o Gaudério não nos ouviram e ficaram por lá, retornando no dia seguinte.
O Marcelo e o Eduardo foram dormir e eu, mais uma vez, fui tocando o barco a noite, sozinho. Só pode ser destino, pois sempre acaba assim! Para ajudar o piloto automático desconfigurou e não segurava o leme. Seria "na mão". Para ajudar duas horas depois de partirmos,com o piloto recém ajustado, um facho de luz atinge meus olhos: nas proximidades do Indaiá um pescador em um barco sem luzes de navegação alguma tentava evitar uma colisão iminente. Não estava sendo fácil!
Faltando uma hora para o sol nascer o Marcelo me rendeu e, quando acordei, estava já na entrada de Santos.
Na volta, de madrugada, não ventou. |
Na primeira barquinha do clube (8h25) todos fomos para casa um pouco tristes com o prejuízo. Apenas a corrente da âncora custava uns quatro mil reais, fora o cabo e a própria âncora. Isso sem falar no pau de spi. Combinamos eu e o Edu de ratear o prejuízo e nos despedimos. Ainda nesse domingo liguei para o Adilson, morador do Montão, e pedi para ele mergulhar e tentar encontrar a âncora e depois fui viajar com as meninas. Dois dias depois recebo um Whatsapp do Marcelo: O Adilson havia achado a âncora e o Nico já estava indo lá buscar. Mas não era apenas isso...
Nas palavras do Adilson um tipo de mastro, só que menor e com duas ponteiras, também foi parar nas águas do Montão. Contra muitas probabilidades o pau de spi, perdido quinze milhas e três dias antes, foi parar lá na ilha que fomos ajudar.
Inacreditável!
Pois é...
Inacreditável!
Pois é...
"Amanhã o sol vai nascer. E quem sabe o que a maré poderá trazer?"
E vamos no pano mesmo!
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarO Universo conspira a favor de quem faz o bem....
ResponderEliminarLevaram meia tonelada de donativos e receberam de volta uma âncora, um pau de spi...
Abraço e bons ventos.
Airton Brisolla
POis é, Airton... o marnos devolveu memso coisas boas. Está chegando seu curso, hein?! Bons ventos!
EliminarBelíssima e comovente história, Juca. Acho que tudo que aconteceu, assim foi para fazê-los pessoas mais felizes e esperançosas.
ResponderEliminarBons Ventos
Sempre bom vê-lo por aqui, Lauro!
EliminarPerrengue brabo como dizem os meus amigos navegadores do int SP. Mas como diz um amigo meu: "Quem tem padrinho não morre pagão".
ResponderEliminarNenhuma boa ação passa desapercebida aos olhos do Criador, a lei do retorno sendo aplicada em sua plenitude.