quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

O milagre é cada novo dia...

Boas!

Em abril desse ano um aluno de nossa escola de vela provocou uma emoção diferente em mim. Receoso por ter um pouco mais do que cinquenta anos, ele chegou um tanto hesitante. Expliquei que isso era normal, que muitos de nossos alunos eram dessa faixa etária, que o campeão tinha oitenta e dois anos e que a vela permite uma longevidade rara em outras atividades ao ar livre. Imaginava que era mais uma história "padrão", quando então veio a surpresa. "- Há trinta e poucos anos" - começou ele - "eu fui passar minha lua de mel em Paraty. Um dia nós estávamos em uma praia e eu vi um veleirinho amarelo ancorado. De entro dele saiu o pai, a mãe e dois filhos, que logo pularam na água e começaram a nadar. Eu imediatamente apontei para aquele barquinho e disse para minha mulher: 'É aquilo o que eu quero para a gente!' Ela, porém, retrucou imediatamente: 'Pois não conte comigo! Naquilo eu não entro!' Então, durante mais de trinta anos eu alimentei em mim o sonho de velejar, de estar um dia naquele veleiro amarelo e hoje estou aqui para fazer a minha primeira aula".    

O que dizer diante de um relato tão pessoal? Eu o parabenizei, tocado pela sinceridade com que ele se abriu e imaginando como deve ser alimentar na alma um sonho por mais do que trinta anos... Nosso aluno, então, embarcou pela primeira vez em um veleiro para sua primeira aula, em Guarujá.

Após a primeira hora, contudo, ele  esteva verde. Logo ficou  azul evoluindo para um raro tom de roxo e já tinha vomitado as refeições dos últimos sete dias, no mínimo. Não teve jeito. Tivemos que desembarcá-lo antes do previsto.

Telefonei mais tarde para ele, mas não obtive resposta. No dia seguinte estava programada nossa segunda aula. Os outros três alunos chegaram na hora, como previsto, mas ele não estava lá na ponte. O tempo foi passando e a cada minuto eu perdia a esperança de vê-lo novamente.

Mas eis que no último instante ele surgiu. Camiseta branca, bermuda azul claro, mochila pendurada no ombro, um boné Cusco Baldoso e um baita sorriso no rosto. 

"Eu ia voltar para casa - disse -  Mas não ia conseguir desistir depois de ter chegado tão perto. Liguei ontem para minha mulher e ela me disse que sabia que eu não ia aguentar, que aquilo não era para mim. Ao ouvir isso eu tirei forças sei lá de onde, achei uma pensão no canal  dois para passar a noite e me recuperei. Hoje estou aqui!

Caramba! Qual o tamanho da força de um sonho? Eu estava tendo uma aula sobre isso ali.

Nosso aluno fez sua segunda aula e a terceira também.  Depois disso fez uma travessia em situações complicadas entre Ubatuba e Ilhabela, retornando para Ubatuba. Por muito pouco não foi conosco até Buenos Aires e por menos ainda não retornou. Hoje ele é um velejador. Nunca mais enjoou. Mais importante do que isso: ele realizou seu sonho e fez seu pequeno milagre.

Escolhi essa história para postar aqui na última mensagem de 2015 pois quase sempre apenas nessa época somos tomados pela impressão de que tudo se renova, de que no dia primeiro de janeiro tudo será diferente. Mas a verdade é que cada amanhecer é um pequeno milagre, todo santo dia. Cada novo segundo é uma nova chance de virar a mesa e mudar tudo. Não espere pelo natal para mudar sua vida, para tirar planos da gaveta ou sonhos da alma. Não aguarde o ano novo para se livrar do que lhe drena a vida. Não se adapte ao que lhe consome e mata aos poucos, dia após dia.  Faça de cada novo dia seu pequeno milagre.

Feliz tudo, pessoal! Obrigado pela presença de sempre. Bons ventos, e estrelas à barla!

E vamos no pano mesmo!!!

5 comentários:

  1. Beleza de história. Exemplo de que nossa capacidade de realizar sonhos não conhece limites. Basta querer e "desejar profundo", como diria Raul Seixas. E, verdade, não importa por quanto tempo nossos sonhos permaneceram dentro da gaveta. Importa abrir a gaveta e deixar os sonhos ganharem forma, conteúdo, cores. Abraços e bons ventos a todos em 2016. Airton Brisolla

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  2. Tenho certeza que muitos que iniciam nesta escola, realizam esses sonhos, com histórias difetentes, mas com sonhos muitos parecidos... E quero e vou continuar a realizar esses os sonhos.

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  3. Tenho certeza que muitos que iniciam nesta escola, realizam esses sonhos, com histórias difetentes, mas com sonhos muitos parecidos... E quero e vou continuar a realizar esses os sonhos.

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  4. Sempre emocionando Capitão Juca, que história!

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  5. Linda história que tive o prazer de presenciar...
    Fico feliz que ele tenha feito o intermediário! Parabéns a você pela organização do curso e ao Capitão Alan pela sensibilidade e competência na nobre atitude de transmitir conhecimento! Abraço! Fernando Parisi

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