"- Imagina se o Júlio França estivesse aqui?" - provocou o Cassio. Eu ri. Na travessia para Ilhabela eu praticamente o embarquei a força, pois ele estava receoso. Tudo tem seu tempo. Se pegamos aquela porranca é porque era a hora. Pior seria se eu estivesse com a Pri e as meninas, o plano original...
Amanheceu e voltei para o convés. Estavamos um pouquinho mais perto da costeira, mas ainda seguros. O mar trazia ondas de três metros, algumas maiores. O barco capeava magnificamente bem. Tentei abrir a vela, mas o enrolador travou. Os restos do lazy jack se projetavam como lanças para fora do barco e se enroscaram nas escotas.Fui até a proa, deitado no convés. Livrei parte do enrosco, mas não foi suficiente.O Ivan, atado ao cinto, surgiu meio que do nada e me ajudou. Voltamos para o poço e abrimos a genoa. Meu plano era voltar para casa de través.
Mas não seria tão simples. Ao abrir a genoa a capa foi para o espaço. O barco andava em círculos, procurando sempre ir para a praia! Mais grave, a velocidade subiu de meio patra quatro nós. Em menos de duas horas estariamos na praia e tudo estaria perdido. Não consegui aceitar essa ideia. Liguei o motor. Quarenta graus. Mantive a rotação baixa, para retaradar o aquecimento. Retomei algum controle de leme, mas o barco não orçava de jeito nenhum. Sessenta graus. Andava em círculos, mas o rumo final ainda era a costeira.
"- Vou tentar entrar no Indaiá" - disse para o Ivan. Mas, claro, essa ideia logo passou, pois era impossível: a medida que chegassemos perto da praia, as ondas só iriam piorar. O mais seguro era ir para longe. Setenta graus. Pus a proa no rumo sul magnético e toquei. O motor então chegou a oitenta graus. O Ivan voltou para dentro da cabine.
Foi então que tomei uma decisão difícil. Não na execução, mas em sua popularidade: voltar para o Montão de Trigo. Isso seria algo como dirigir a noite toda entre São Paulo e Florianópolis e, depois de Joinville, resolver voltar para encher o tanque do carro em Santos. Coloquei a proa no Montão - que sequer podia ser visto, em meio a névoa - e o barco foi surfando as ondas. O motor ficou a oitenta graus.
O frio me matava e uma das poucas - senão a única - alegria que tiv nesse dia foi fazer xixi na calça. Esquentou meus pés e foi muito gostoso.O mar nos dá outras perspectivas na vida...
Algumas horas depois o Cassio veio me render no leme. Expliquei nosso rumo. O barco seguia a dois nós, mas avançava e o motor não esquentou mais além dos oitenta graus. No mau tempo uim porto a sotavento, por mais longe que esteja, será sempre mais fácil de se chegar do que um a barlavento...
Ainda não estava tudo resolvido. A impopularidade da minha decisão precisava ser contornada.Chamei Delta 24 o radio e expliquei a situação.Pedi um acompanhamento de hora em hora para reportar a situação e a posição. A operadora foi super gentil e prestativa. Anotou os dados do barco, de nossa marina e da Priscila, para o caso de... A tripulação se trranquilizou ao saber que não estavam tão sozinhos quanto pensavam. Ou pelo menos se confortaram com essa ilusão...
Conseguimos avistar o Montão de Trigo apenas a menos de uma milha e meia de distância. Ao nosso redor apenas névoa branca, ondas altas e um vento mais ameno. Ao meio dia lançamos ferro. Estavamos em um abrigo!
Bem, comparado a condições normais abrigo é um baita de um eufemismo. Balançava bastante. Mas era melhor do que "lá fora".
Assim que nos estabilizamos começamos a por ordem na casa. Fui tomado por uma onda de frio e deitei um pouco, enquanto os meninos arrumavam as coisas espalhadas por todos os lados. Tudo estava encharcado. Para vestir me sobrou apenas um short john e uma camiseta com o emblema do Super Man que ganhei na escola da Alice no dia dos pais. Ela tem uma igual, mas adequada para o tamanho dela.
Fizemos contato via VHF com o Iate Clube de Barra do Una e conseguimos um transporte com um pescador do Montão de Trigo, para desembarcar o Rodrigo e o Ivan. Eles teriam que estar em São Paulo na segunda de qualquer maneira. O André e o Cassio também tinham, mas foram sensacionais e ficaram comigo. Obrigado! Depois do almoço eles foram para terra. Valeu galera!
Entrei em contato com minha casa via celular e algumas vezes com o Alan Trimboli. Decidi que só sairia dali com tempo bom, mesmo que ele demorasse a chegar. A previsão para a segunda-feira, porém, não poderia ser melhor: ventos de leste e sueste, até oito nós.
Consertei a mestra no fim da tarde. Estavamos sem talas, mas dos males o menor.Voltamos a ser um veleiro! Encontramos alguns objetos estranhos no compartimento do motor: pratos, talheres e uma câmera filmadora, mas há controvérsias sobre o momento em que esses objetos foram parar ali.
Dormimos o dia todo. O jantar foi feito pelo Cassio, que arrumou um problemão: já não sei quem é o melhor cozinheiro, se ele ou o Ivan!
A noite o tempo abriu e a lua cheia deu um espetáculo, em harmonia com a silhueta do Montão. Por vezes eu ficava impaciente, mas ai olhava para o emblema do Super Man na camiseta e melembrava da Alice e das meninas. Não podia fraquejar. Não iria!
No dia seguinte, às 06h00 acordei e perguntei para meus tripulantes: "- Quem quer ir para casa?"
Às 06h30 já estavamos velejando. O motor foi ligado para ajudar,já que o vento era ainda fraco e voltou ao normal, trabalhando abaixo de sessenta graus. Vai entender... No través de Bertioga chamei o Iate Clube de Ilhabela para agradecer o apoio: "- Estamos em condições plenas de navegação!". Liguei para casa e depois de saber das novidades a Priscila caiu no choro...
No meio da tarde atracamos na Boreal. Para minha surpresa e pela mais absoluta coincidência, se é que isso existe mesmo, minha pequenininha Alice estava vestindo a camiseta dela de Super Man! Ai quem caiu no choro fui eu, mas deu para disfarçar...
Era o fim.
Chegamos.
Palavras não são suficientes para agradecer as várias pessoas que nos ajudaram. Em primeiro lugar eu devo agradecer a minha valente tripulação, que mesmo possuindo instrumental limitado soube se comportar de maneira exemplar, mantendo o moral a bordo o melhor possível. Então, obrigado ao Cassio, ao Ivan, Ao André e ao Rodrigo. O que nós vivemos só nós sabemos e levaremos isso para resto de nossas vidas. Várias foram as lições.
Milhões de obrigados, ainda, ao Alan Trimboli, que monitorou nossa situação o tempo todo, em conjunto com o Volnys Bernal.
Quatrocentos milhões de obirgados ao meu irmãozão Ricardo Stark, que conseguiu tranquilizar a Priscila. Eu imagino o trabalho que isso deu! E a ela, Priscila, meu amor, bilhões de obrigados por saber me esperar...
Obrigado, claro, ao nosso velhinho, o Malagô,que foi protagonista nessa história - até porque tem momentos que ele só faz aquilo que quer!
E obrigado a todos que pensaram na gente positivamente.
Bons ventos e estrelas à barla, sempre!
Bem, comparado a condições normais abrigo é um baita de um eufemismo. Balançava bastante. Mas era melhor do que "lá fora".
Assim que nos estabilizamos começamos a por ordem na casa. Fui tomado por uma onda de frio e deitei um pouco, enquanto os meninos arrumavam as coisas espalhadas por todos os lados. Tudo estava encharcado. Para vestir me sobrou apenas um short john e uma camiseta com o emblema do Super Man que ganhei na escola da Alice no dia dos pais. Ela tem uma igual, mas adequada para o tamanho dela.
Fizemos contato via VHF com o Iate Clube de Barra do Una e conseguimos um transporte com um pescador do Montão de Trigo, para desembarcar o Rodrigo e o Ivan. Eles teriam que estar em São Paulo na segunda de qualquer maneira. O André e o Cassio também tinham, mas foram sensacionais e ficaram comigo. Obrigado! Depois do almoço eles foram para terra. Valeu galera!
Entrei em contato com minha casa via celular e algumas vezes com o Alan Trimboli. Decidi que só sairia dali com tempo bom, mesmo que ele demorasse a chegar. A previsão para a segunda-feira, porém, não poderia ser melhor: ventos de leste e sueste, até oito nós.
Consertei a mestra no fim da tarde. Estavamos sem talas, mas dos males o menor.Voltamos a ser um veleiro! Encontramos alguns objetos estranhos no compartimento do motor: pratos, talheres e uma câmera filmadora, mas há controvérsias sobre o momento em que esses objetos foram parar ali.
Dormimos o dia todo. O jantar foi feito pelo Cassio, que arrumou um problemão: já não sei quem é o melhor cozinheiro, se ele ou o Ivan!
A noite o tempo abriu e a lua cheia deu um espetáculo, em harmonia com a silhueta do Montão. Por vezes eu ficava impaciente, mas ai olhava para o emblema do Super Man na camiseta e melembrava da Alice e das meninas. Não podia fraquejar. Não iria!
No dia seguinte, às 06h00 acordei e perguntei para meus tripulantes: "- Quem quer ir para casa?"
Às 06h30 já estavamos velejando. O motor foi ligado para ajudar,já que o vento era ainda fraco e voltou ao normal, trabalhando abaixo de sessenta graus. Vai entender... No través de Bertioga chamei o Iate Clube de Ilhabela para agradecer o apoio: "- Estamos em condições plenas de navegação!". Liguei para casa e depois de saber das novidades a Priscila caiu no choro...
Secando... |
... lavando... |
Voltando para casa. |
Era o fim.
Chegamos.
Palavras não são suficientes para agradecer as várias pessoas que nos ajudaram. Em primeiro lugar eu devo agradecer a minha valente tripulação, que mesmo possuindo instrumental limitado soube se comportar de maneira exemplar, mantendo o moral a bordo o melhor possível. Então, obrigado ao Cassio, ao Ivan, Ao André e ao Rodrigo. O que nós vivemos só nós sabemos e levaremos isso para resto de nossas vidas. Várias foram as lições.
Milhões de obrigados, ainda, ao Alan Trimboli, que monitorou nossa situação o tempo todo, em conjunto com o Volnys Bernal.
Quatrocentos milhões de obirgados ao meu irmãozão Ricardo Stark, que conseguiu tranquilizar a Priscila. Eu imagino o trabalho que isso deu! E a ela, Priscila, meu amor, bilhões de obrigados por saber me esperar...
Obrigado, claro, ao nosso velhinho, o Malagô,que foi protagonista nessa história - até porque tem momentos que ele só faz aquilo que quer!
E obrigado a todos que pensaram na gente positivamente.
Bons ventos e estrelas à barla, sempre!