domingo, 2 de junho de 2013

Travessia Guarujá - Ubatuba - Final



Está acabando, ufa!

Meu plano era sair de Ilhabela as 03h00. Mas a noite via facebook, fui lembrado que não conheço bem o canal de São Sebastião. O quintal da minha casa é outro e a noite e com os ventos da Ilha tudo é mais difícil. Abortei a missão. Sairíamos ao nascer do dia. Destino: Guarujá, Pier 26.

Foi nossa sorte. Não fosse essa alteração e provavelmente nosso destino teria sido outro, bem pior. E eu não falo do Guarujá, mas do fundo do mar. 

Contei os segundos no relógio. Precisamente às 06h00 soltei o cabo da poita. Manobrei devagar e em poucos minutos estávamos no canal, indo para casa. Toquei até o Porto de São Sebastião e depois que cruzamos a balsa, abri a genoa. Ventava bastante, mais de dez nós, ora de proa, ora de través. Motor ligado para poupar baterias. Marolas grandes na popa. O leme, acostumado com anos de Ubatuba e Paraty, sofria ao receber um "mar de verdade" de novo. Quando tínhamos a laje dos moleques, pedi para o Ivan colocar o cinto. Subiríamos a mestra. Eu estava no leme e ele no mastro, preparando a vela. Foi ai que aconteceu. Senti um esforço mais forte no leme e plact: a roda começou a girar em falso, livre, leve e quase solta. Ainda tínhamos o leme, mas não tínhamos como controlá-lo. Um cabo de aço que faz o vai e vem  do quadrante (peça que controla a relação leme x roda de leme) partiu.

Estivéssemos bem longe de terra e seria moleza: abaixaríamos os panos e faríamos o conserto. Esse é um ponto sempre complicado de explicar para quem não navega. Quanto mais perto de terra, mais perigoso é. E esse era o nosso caso. A costa estava logo, logo ali!

Gritei para o Ivan: "- Emergência". Ele, ainda sem saber qual,  veio até o leme, se soltou do cinto e ficou de prontidão. O plact ocorreu às 07h15. "- Vamos enrolar essa genoa. Pode ser difícil com esse vento", disse para ele. Mas ela enrolou fácil. O barco então apontou para a terra, para a laje dos moleques, rumo direto. Dei ré no motor, que ainda estava ligado. Mas o barco continuava indo. Liguei o eco: 27 metros! Ancorar não seria a melhor opção. Mesmo se a ancora pegasse (duvido), jamais recolheríamos o cabo e a corrente naquelas condições. Só restava tentar a cana de emergência. Era preciso tirar um parafuso apertado, tirar o quadrante e instalar a cana. Com a ajuda do Ivan consegui isso em menos de dois minutos. Às 07h18 estávamos de novo no controle do barco. A laje estava a apenas poucas centenas de metros. Seria o fim. Ufa! E eu sei lá porque marco esses horários com tanta precisão...

Depois desse susto o Ivan caprichou no café da manhã. Minha boca estava seca. As mãos tremiam. Mas a coisa só funcionou porque mentalmente eu já tinha  ensaiado mentalmente o que fazer caso aquilo acontecesse. E de tempos em tempos eu tenho essa neurose. Então, na hora, os passos foram meio que automáticos. Estar pronto... 

Desisti de subir a mestra. Fomos no motor até passar a Ilha de Toque Toque. Céu azul. Mar mais calmo, pois os efeitos do canal de São Sebastião (que estrangula a maré e os ventos) já não eram sentidos. Mas levar o mala na cana era difícil. Ela está mais curta que o original e o leme fica muito pesado. Como disse o Ivan, na verdade ele mexe quando quer. Tocamos para o Montão de Trigo. Dei uns telefonemas e achei melhor seguir para o Chinen. Mudamos a rota para o canal de Bertioga (na verdade, era só continuar navegando no rumo verdadeiro 270º a viagem toda).

No través de Maresias.

No través de Boiçucanga resolvi levantar a mestra. Vento NE. Aproamos com terra. Mas as talas enroscaram no lazy-jack e virou um pandemônio. Baixei e ela saiu da guia, despencando no convés. Enrolei tudo do jeito que deu (e não foi bonito) e abortei. Sem a mestra, porém, com o mar de través o barco balançava muito. Um armário abriu e os pratos voaram. Três quebraram (são de acrílico). O plano era fundear no Montão de Trigo para por ordem na bagunça.

No través de Boiçucanga.

Chegamos na ilha ao meio dia, em ponto. Liguei o eco e... não lia a profundidade. Vai saber o que aconteceu... abortei o fundeio, pois a profundidade poderia ser entre 20 e 5 metros em uma área muito pequena. Paciência. Rumo 270º verdadeiro, a vida toda. Do Montão já dava para ver o morro que marca a entrada do canal.

Montão de Trigo.

Às 15h30 em ponto (essa viagem foi toda assim, as coisas sempre nas horas meias e cheias e em ponto!) fundeamos no Indaia, local que eu conheço bem. Arrumamos a casa e às 16h00 suspendemos (também em ponto). Às 17h00 (em ponto!) entramos no canal. O Ivan jogou no mar a oferenda para Netuno: doces de leite! Meia hora depois terminamos nossa travessia. Secos.

Eu estava bem cheirosinho...

O Malagô ficou no Chinen. De lá para cá eu já tomei bem mais do que um banho. O plano, agora, é subir na quinta-feira para o Pier 26, para começar os trabalhos. Estou muito mais tranquilo. Hoje o Mala está a apenas quarenta minutos de mim, e não a quatro horas. E por aqui existem lugares adequados para cuidar dele. Nesse momento o lugar do Mala é aqui.

E vamos no pano mesmo!


12 comentários:

  1. Já li todos os capítulos da Travessia. Foi minha leitura matinal, aliás, antes das 6 hs. prá falar a verdade. Ainda bem que chegaram bem, apesar dos sustos. É o Sal da Vida!! Então, arruma logo o 'Mala' e trás de volta prá Ubatuba o quanto antes!

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    1. Ricardo, como já sabemos que seu coração está bem, graças a Deus, esse teste para sua condição cardíaca foi absolutamente dispensável!!! Mas que vc ficou no facebook o feriadão todo, ah! isso vc ficou! kkkk Bons ventos!

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  2. Grande Juca, tenho ligo alguns relatos de sufoco no mar e alguns bastante serios, bem longe da costa, ou bem perto como seu caso, que sempre o culpado é a quebra de leme. Devemos dar a maior atenção a isso. Um leme de fortuna deve estar sempre preparado. Alem de uma "cana de fortuna", como vc usou. Um suporte de remo, com um remo largo já pode salvar diversas situações. Se usado como bolina ele altera sensivelmente a proa do barco. Se o suporte for na popa, vira um leme viking. Sei que no Malago, pode ser que a resposta a mudança de direção seja lenta, mas muda, as vezes suficiente para safar o barco.
    Mais vento e menos agua, para o Malagô...abçs

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  3. P.S. troque os cabos do quadrante para spectra de mesma espessura, use lais de guia simples direto no quandrante e elimine qualquer peça de ligação. Menos peças menos risco.

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    1. Roger! Vc leu meus pensamentos! Além da spectra ter resistência a ruptura maior, em uma mesma bitola, qualquer lais de guia substitui o nicopress. Será essa mesmo a solução! Bons ventos e pensarei positivamente para vc no dia 08/06!

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  4. Juca, que beleza de aventura heim? Fico feliz por estarem todos bem (inclusive o malagô), esse Ivan é mesmo "O CARA", lá em Minas esse tipo de caboclo é conhecido como PAU PRA TODA OBRA.
    Esses dias vi em um blog um projeto de leme de fortuna e já planejei o meu, dizem que quando a coisa da feia o urubu de baixo "cgaa" no de cima!
    Ainda bem que você jogou xadrez no malagô, por que se é comigo no vivre você não teria chances! eheheh!
    Cara junta todas as suas história e escreve um livro, você tem material para isso!
    Bons Ventos amigo!

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    1. Walnei, eu sou bundão e medroso! Por isso essas aventuras eu prefiro quando são relatos alheios! Mas fico feliz que deu tudo certo e que soubemos nos virar. Quanto ao xadrez, vc não imagina a surra que eu levei. Ele me deixou ganhar a primeira... quando viu que meu jogo é na base da rainha e torre, o massacre foi pior que o da serra elétrica! Sò parou quando eu o lembrei que o Malagô tem muuuuuito convés para ser esfregado, kkk!

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  5. É Capitão, você e o Mala foram feitos um para o outro, e a prova disto são seus relatos e o carinho que você tem por este barco.
    Ainda bem que o Mala tem um Comandante safo e que já havia exercitado mentalmente as situações difíceis. Parabéns pela forma serena e transparente com a qual você lidou e descreveu todos os perrengues pelo qual passou.
    Para nós, amigos e leitores (e alunos certamente), ficam os ensinamentos e o estímulos e agir como o Capitão "Cusco Baldoso" , tentando prever as situações de emergência que possam ocorrer.
    Agora é hora de subir o barco e descobrir quem está pingando no Mala!
    BV
    Paulo Ribeiro
    Bepaluhê

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    1. Pois é! Eu não tenho a menor vocação para super herói. Erros e acertos vem para cá da mesma forma, pois alguém sempre aprende! E a quantidade de mensagens e e-mails que eu recebi, dando apoio - de gente que muitas vezes eu nem conheço - me estimulam a continuar não sendo um "marketeiro" do mar!!! E vamos no pano mesmo, meu amigo!

      ET.: eu ainda quero aquelas suas peças! Relacione-as e bote preço!!!!

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  6. Juca, que sufoco heim!!! Estar preparado.. é tudo..
    Abraços =)
    Fernando

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  7. Juca, parabéns pelo blog e pelos posts tao simples e ao mesmo tempo ricos em detalhes. Esse em especial me fez pensar que até agora contei com a sorte de nao passar por situação como essa, pois teria sérios problemas em resolvê-la de forma tão tranquila. A pergunta que fica é, vale a pena trocar os cabos de aço para spectra como prevenção? Abraços Eduardo Soares

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